Folha de S. Paulo


Políticos parecem não se importarem nem se arrependerem de seus atos

Débora Gonzales/Folhapress

Na semana passada, a cantora Mallu Magalhães foi acusada de racismo por causa de seu novo clipe. Em poucas horas, entendeu que poderia ter ofendido e decepcionado pessoas, explicou suas intenções, pediu desculpas e, com tristeza, disse que era a chance de aprender.

Na mesma semana, o senador afastado Aécio Neves, após ser pego em uma gravação pedindo R$ 2 milhões a um investigado, dizendo que poderia matar um primo e esbravejando por não ter controle sobre delegados da Polícia Federal, pediu desculpas apenas pelo... linguajar.

A diferença entre os dois episódios, além de escancarar a diferença de caráter entre os dois, revela muito sobre como age a classe política.

Dias atrás, o senador do PT Humberto Costa admitiu a possibilidade de seu partido pedir desculpas por seus atos de corrupção. Sofreu duras críticas e teve que vir a público se explicar. Quase pediu desculpas por ter sugerido pedir desculpas.

Nossos homens públicos têm alguma questão psicanalítica com pedir desculpas. Já sabemos dos bilhões roubados nos últimos anos, da quantidade já significativa de políticos presos, investigados ou confessos. Não me lembro de nenhum pedido de desculpas à população.

Lembro da tranquilidade em falar de desvios de milhões, do lamento pela própria situação, de alguma ou outra tentativa de culpar o "sistema político", mas não me recordo mesmo de nenhum singelo pedido de desculpas ao eleitor que depositou sua confiança, seu futuro, nas mãos da mais baixa qualidade de gente que existe no país.

Observadores da situação dizem que a ausência de desculpas tem um fundo jurídico. Pedir desculpas é confessar culpa, o que seria contraproducente como estratégia processual. Afinal, para escapar, nosso honrado homem público tem de ser vítima do sistema ao qual foi levado a aderir, coitado.

Outra estratégia jurídica e/ou política é nunca chamar roubo de roubo. Dilma chamava de "malfeito". Temer chama de "atitude não aprovável". Para ambos, contorcionismo gramatical absolve ou atenua.

Já eu acho que a ausência de desculpas da classe política tem um fundo de absoluta sinceridade, pureza e autenticidade. Para pedir desculpas, você parte de duas premissas.

A primeira é ter arrependimento e vergonha pelo que fez. Não me parece ser o caso. A segunda é considerar que você se importa com o que causa aos outros. Sobre isso, então, não tenho nenhuma expectativa.

Se você tinha, leitor, peço desculpas por decepcioná-lo.


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