Folha de S. Paulo


Minha bisavó se separou para viver um grande amor com outra mulher

Débora Gonzales/Folhapress

Neste Dia das Mães eu quero falar sobre a mãe da mãe da minha mãe -também conhecida como minha bisavó. Para mim, vó Eduarda.

Ela morreu quando eu tinha 16 anos, em 1988. Até meus oito anos eu dormia muito na casa dela. Tempo suficiente para que a voz com sotaque daquela velhinha portuguesa que cheirava a Leite de Rosas nunca mais saísse da minha memória.

Lembro também do Toddy gelado pela manhã, da farofa de ovos no almoço e do caqui no lanche.

Ela chamava rabanada de "orelha de português", e me ajudava a pegar romã no pé com um bambu.

Vovó era diabética e se aplicava injeções de insulina mais de uma vez ao dia, na veia, amarrando o próprio braço. Antes ela fazia um teste para ver o nível de glicose, que consistia em urinar num tubo e pingar um reagente. Decorei que, se o líquido ficasse azul, da cor dos olhos dela, estava tudo bem.

O dia mais importante do ano para ela não era seu aniversário, mas o 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima. Como o destino gosta de aprontar, foi nesse dia que nasceram minhas duas filhas.
Era uma mulher forte, livre, dona do seu nariz. Ela me ensinou muito sobre amor e liberdade.

Vó Eduarda teve cinco filhos com meu bisavô. Quando o mais novo tinha dois meses, ela se separou para viver um grande amor. É preciso muita coragem para se separar de um casamento com cinco filhos, nos anos 1930, em Nilópolis, cidade pequena na Baixada Fluminense.

Mas o mais admirável nessa busca sincera pela felicidade é que o grande amor da vó Eduarda era uma mulher: dona Olga, ou a "Velha", como ela chamava.

Vovó e Velha se conheceram em 1937 e se apaixonaram. Meu bisavô era jardineiro da casa de dona Olga, uma mansão na zona sul do Rio. Vovô saiu de casa e Velha, deserdada, foi morar com vó Eduarda. Viveram essa paixão por mais de 40 anos, até a morte da Velha, em 1979, quando eu tinha sete.

O amor daquelas duas mulheres conquistou o respeito de toda a cidade e iluminou quem teve a oportunidade de conviver com elas. Eu tive essa sorte e me esforço -com Joana- para que minhas filhas também entendam que o importante é o amor.

Outro dia brinquei com uma das meninas: "Filha, esse amigo aqui é namorado do papai há dois anos". Ela respondeu de imediato: "Claro que não é". Achei que era reflexo da velha visão de relação só homem/mulher, mas ela completou: "Dois anos? Você já teria me contado".

Valeu, Vó!


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