Folha de S. Paulo


Sem planejamento, o sonho do Fies pode virar pesadelo

Editoria de Arte/Folhapress
Dessen de 22.maio.2017

Já pensou que maravilha poder fazer o curso de graduação dos sonhos, em escola privada, sem pagar nada além de R$ 150 ao trimestre durante todo o curso? Mais carência de um ano e meio após a conclusão do curso para começar a pagar as parcelas de um financiamento baratinho, que cobra juros de apenas 6,5% ao ano? Prazo a perder de vista para devolver o dinheiro (três vezes o período regular do curso + 12 meses)? Pois bem, esse é o Fies!

O bônus não é pequeno e viabiliza a formação acadêmica de muita gente. Então o que pode dar errado? Por que milhares de estudantes não conseguem pagar o financiamento estudantil? Qual é o ônus dessa estratégia e como reduzir a chance de transformar o sonho em pesadelo?

Camila se inscreveu e conseguiu uma vaga em um curso cuja mensalidade é de R$ 2.000. Usou o simulador do Fies e sabe, tanto quanto seus pais, que terá uma dívida acumulada de R$ 100 mil quando se formar. Meio assustador concluir a faculdade, hora de batalhar por uma vaga qualificada no mercado de trabalho, com um peso desse tamanho nas costas, não é?

É evidente que existe uma janela de oportunidade mesmo para aqueles que poderiam se esforçar agora e pagar os estudos integralmente.

Os pais de Camila, por exemplo, optaram por preservar a reserva financeira da família e financiar os estudos da filha.

Se todo o dinheiro da família for alocado para pagar a faculdade dela e surgir alguma emergência, estarão sujeitos aos juros de mercado, muitas vezes maior do que as taxas do financiamento estudantil.

Mas o tempo passa rápido. Logo, logo, estarão celebrando a conquista da Camila na festa de formatura e um pouco depois do diploma chega a conta para pagar.

Nenhuma surpresa, dívida conhecida e adiada durante todo o período de estudo. Valor do saldo devedor, quantidade e valor das parcelas do financiamento, conhecidos. Então qual é o problema?

Falta de planejamento! Dívida adiada não pode ser esquecida. Camila e seus pais precisam se planejar para o pagamento dela. Fazer de conta que o curso da Camila é de graça pode ser uma armadilha perigosa.

O dinheiro da família será gasto com despesas que talvez não fossem feitas se o dinheiro estivesse sendo canalizado para os estudos dela.

Então que tal investir ao menos parte do valor da mensalidade que não está sendo paga? Se começarem a guardar dinheiro desde já, formando uma poupança para enfrentar a dívida futura, tudo ficará mais fácil.

Se os pais da Camila investirem um terço do valor do curso, cerca de R$ 660 mensais, quanto será que terão em cinco anos e meio, início da fase de amortização do financiamento estudantil?

Simulando taxa de juros de 3% ao ano, real e líquida, terão acumulado pouco mais de R$ 47 mil, quase metade do valor da dívida.

O futuro de Camila será muito diferente do de Carlos, que não se planejou e está vivendo um pesadelo.

Há seis anos contratou um financiamento estudantil para financiar o tão sonhado curso de graduação em universidade privada. Sem condições de pagar a mensalidade do curso, vibrou quando foi selecionado no processo de inscrição.

Durante os quatro anos do curso, Carlos desembolsou apenas R$ 150,00 por trimestre. Só um empréstimo de pai para filho poderia ser melhor do que esse.

Teve um tremendo azar de se formar em plena crise econômica, com milhões de pessoas desempregadas. Sem emprego e sem contar com a ajuda financeira dos pais, está vivendo um conflito pessoal gigantesco. Quer pagar, mas não tem condições financeiras para isso.

Além de sorte, faltou planejamento. Ele reflete sobre como viveu os anos de faculdade e tem consciência de que gastou mais do que precisava, que poderia ter se esforçado mais.

Poderia ter guardado um pouco? Está convencido de que sim. Aprendeu do jeito mais difícil, e essa lição lhe será útil. Vai levar um tempo para sair dessa enrascada, mas, quando sair, terá crescido e amadurecido, mais preparado para enfrentar outros obstáculos da vida.

O Fies é muito bom para os estudantes e escolas, nem tanto para os cofres públicos. Tanto que o governo está revendo a política, caso contrário, todos nós pagaremos pelo privilégio de alguns.


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