Folha de S. Paulo


Problema financeiro, causa ou efeito?

Fernando de Almeida

É possível conciliar amor e dinheiro? Essa foi a pergunta de um leitor que me escreveu contando a história de um colega que deixou a noiva a ver navios porque ela insistia em comprar um apartamento na hora errada, pelo preço errado, assumindo um financiamento com juros altos demais.

"Casado com ela, o que seria das finanças no futuro?", questionava.

A nova namorada quer filhos logo depois do casamento e não vê problema em gastar acima dos

rendimentos proporcionados pela aplicação financeira, consumindo pouco a pouco o patrimônio. "Filhos são uma ameaça ao patrimônio", afirma ele.

Comprou à vista um apartamento mobiliado, pagando bem abaixo do preço de mercado. A construtora, ansiosa por se livrar da unidade devolvida pelo primeiro comprador que não conseguiu pagar as prestações, sofreu com um negociador consciente da oportunidade que tinha nas mãos e soube barganhar a seu favor. "Mais parece o Tio Patinhas...", comenta.

Embora confesse que aprende muito quando conversa com o colega, se pergunta se é possível conciliar amor (cônjuge e filhos) e dinheiro (aumentar o patrimônio).

Tenho convicção de que é possível conciliar amor e dinheiro, lembrando que o dinheiro não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio para alcançarmos nossos sonhos.

Sonho de constituir uma família feliz, comprar uma casa bonita e acolhedora para toda a família, proporcionar boa educação aos filhos. Ou sonhos pessoais que não envolvem família, projeto muitas vezes adiado em razão de outras prioridades: formação acadêmica nas melhores escolas internacionais, investir na carreira, empreender o próprio negócio, viajar e conhecer outras culturas.

Conversando com meu colega Fabiano Calil, também planejador financeiro certificado e com ampla experiência em conflitos familiares, avaliamos que a diferença entre os sonhos dos membros de um casal é recorrente, desde a festa de casamento (ela quer a festa, ele prefere viajar), apartamento (ela quer comprar, ele investir e morar de aluguel) e filhos (elas querem, eles não). A desculpa é sempre o dinheiro, festa cara, juro alto no financiamento, custoso manter um filho.

O desejo do noivo é individualista, prefere viajar em vez de gastar dinheiro com uma festa social. O receio de se comprometer com um projeto de longo prazo, como a aquisição de um imóvel, vai contra o plano de independência financeira, dos que anseiam por liberdade. A chegada de um filho assusta, tanto pela responsabilidade de ser pai como pela perspectiva de perder a exclusividade e dividir a atenção da companheira com o filho.

Os problemas financeiros, em geral, são consequência e não a causa dos conflitos. Muitos têm dificuldade de acolher os desejos do outro e pouco falam a respeito dos sentimentos, usando o dinheiro como escudo para esconder a verdadeira origem do problema.

Embora seja uma desculpa verdadeira, usar o dinheiro como escudo os impede de amadurecer e viver uma experiência de entrega, compartilhamento. Se puderem manter relações fugazes ou permanecer na casa dos pais, grande parte assim escolherá.

Para os casais que passam dessa etapa, o que os afasta é a falta de diálogo, e lamentam não realizar os desejos individuais e os planos do casal. Ficam focados apenas nos filhos, esquecendo-se da dupla e deles próprios. Sem assumir a responsabilidade, pegam o caminho mais fácil, culpar o parceiro.

Como resolver esse conflito? Meditar sobre o que desejam da vida. Depois compartilhar com o outro, seu sócio afetivo, e definir os planos do casal e investir no relacionamento. Ao fortalecerem a confiança um no outro e nutrirem a relação, se redescobrem, com honestidade que pode ser dura, a princípio, mas potente se forem capazes de vencer as inseguranças e os medos. O respeito e a confiança voltam a imperar entre eles, fortalecendo ou resgatando o amor que os uniu.

Se os sonhos e projetos de vida estiverem definidos e alinhados, será possível planejar financeiramente como e quando serão alcançados. E problema com dinheiro não será motivo de discórdia, nem por causa nem por efeito de outros conflitos.


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