Folha de S. Paulo


Saiba se agora ainda é a hora de investir em papéis com taxa prefixada

Fernando de Almeida/Folhapress
Ilustração Marcia Dessen de 30.jan.2017

O gerente da minha conta bancária me ligou sugerindo investimento em taxa prefixada para colher ganhos com a taxa de juros em queda. Agradeci a iniciativa, mas não mergulhei de cabeça na sugestão
dele. E explico por quê.

A taxa básica sofreu um corte de 0,75 ponto percentual na mais recente reunião do Copom e mudou de 13,75% para 13% ao ano. O presidente do Banco Central sinalizou que esse será o novo ritmo de redução dos juros. O mercado estima que chegaremos ao fim de 2017 com a taxa Selic no patamar de 9,5% ao ano.

Se você observa a Selic ainda em 13% e acredita que ela cairá para 9,5%, contabiliza uma queda de 3,5 pontos percentuais e um bom lucro no bolso se investir agora em taxa prefixada. Só que não é bem assim.

A taxa de juros prefixada praticada no mercado já caiu bastante no segundo semestre de 2016, antecipando que haveria cortes na Selic. No auge da crise de 2016, o Tesouro Prefixado, título que remunera taxa prefixada de juros, chegou a pagar 17% ao ano. Na sexta (27), pagava 10,41% nos títulos de dois anos e 10,88% nos títulos de seis anos.

Quem arriscou e comprou títulos prefixados a 16%, 15%, 14% ao ano já ganhou ou pode ganhar um bom dinheiro se vender agora com desconto de 10,41%. Ou manter o título até o vencimento e ganhar a taxa negociada, que deve ser superior à média da Selic. É possível afirmar isso porque é muito grande a diferença entre a taxa comprada e a atual.

Quem compra um título agora, entre 10,40% e 10,88%, só tem chance de ganhar se confirmada a queda continuada e acelerada da Selic. Qualquer reversão dessa tendência pode comprometer a estratégia.

Ah, então vou investir em fundos de investimento que estão com as carteiras recheadas de títulos comprados com a taxa alta que não está mais disponível no mercado. Bom demais para ser verdade, não é assim que a banda toca.

Quem tem o direito de abocanhar os lucros? Você que está chegando agora, diante de um cenário definido de redução dos juros, ou quem arriscou e investiu há alguns meses?

É evidente que só o segundo grupo tem o direito de se beneficiar dos ganhos.

Para garantir que somente os investidores que já estavam no fundo sejam beneficiados, os administradores de fundos são obrigados a marcar a mercado diariamente os ativos da carteira. O mecanismo obriga que o valor de mercado do título seja apurado e contabilizado. O valor da cota muda, para cima ou para baixo, refletindo a valorização ou desvalorização dos ativos da carteira. O procedimento impede a transferência de riqueza, ou seja, que os ganhos ou perdas de um grupo de investidores sejam transferidos a outro grupo que pega o bonde andando e não tem nada a ver com a história passada.

Tudo isso pra dizer que quem investir hoje em ativos ou fundos que aplicam em taxa prefixada pode estar superestimando a perspectiva de ganho. Esqueça a rentabilidade passada. O ganho será a diferença entre a taxa atual e a nova taxa prefixada de mercado, seja ela qual for. Convenhamos que o espaço para especulação diminuiu bastante. Para ampliar os ganhos (potenciais), é preciso aumentar o risco, alongando o prazo ou alavancando posições com derivativos.

Ainda vale a pena investir? Sim, se você estiver otimista e acreditar que a taxa Selic, ainda no patamar de 13%, vai cair e rápido. Sim, para alocar somente parte de sua carteira e diversificar o risco. Sim, se você tiver a expectativa correta de ganho e ciência de que esse ganho pode se transformar em perda se algum fato novo acontecer e a trajetória da taxa básica mudar de rumo.

Não, se sua expectativa em relação ao cenário macroeconômico é menos otimista do que as projeções. Não, se o dinheiro investido é o da sua reserva financeira, que não pode ser exposto a riscos e precisa de liquidez diária. Não, se você não é capaz de entender que as aplicações em "renda fixa" não são fixas e oscilam entre a data da compra e a data de vencimento.

Ah, vale a pena lembrar que o mesmo raciocínio se aplica aos ativos atrelados a índices de inflação cuja parcela prefixada ganha valor na redução dos juros. O chamado "cupom" desses ativos, que chegou a 7% ao ano, está no patamar de 5,58% (2019), 5,59% (2024) e 5,51% (2035). Quanto mais longo, maiores o risco e a chance de ganhar se a taxa de juros cair.


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