Folha de S. Paulo


Será que José aprendeu alguma coisa?

José tinha planos para o 13º salário. Depois de um ano inteiro trabalhando, queria fazer uma prazerosa viagem com a família, adiada dezenas de vezes. Queria também deixar o dinheiro intocado e formar a necessária reserva financeira, que proporcionaria conforto e segurança em momentos difíceis.

Mas infelizmente não foi o que aconteceu. José se enrolou com as finanças, gastou mais do que podia e acabou contraindo dívidas que ele não queria. Todo o 13º salário foi usado para reduzir boa parte das dívidas. Nem os presentes de Natal das crianças escapou dos cortes que precisa fazer para colocar as finanças nos trilhos novamente.

Ele nem sabe dizer ao certo o que foi feito com tanto dinheiro, o que o deixa muito contrariado. Se ao menos pudesse dizer que o dinheiro foi usado para uma inesperada e inadiável reforma na cozinha de casa, ou que ficou três meses sem trabalho, ou que teve uma urgência médica na família. Mas não, o dinheiro foi consumido aos poucos, mas de forma continuada, em pequenos exageros de consumo, não planejados e perfeitamente dispensáveis.

Ele já está arrependido de várias decisões que tomou. Nem os conselhos e advertências da mulher ajudaram a frear seu impulso consumista. Os filhos embarcaram na onda do pai e também exageraram nos pedidos, atendidos é claro, como se não houvesse limite.

Na hora de pagar as contas, não deu conta do recado, como pensou que seria capaz de fazer. José debruça um olhar incrédulo sobre a fatura do cartão de crédito, duvidando que tenha acumulado tantos exageros, tantas decisões equivocadas em tão pouco tempo. Tinha prometido a si mesmo que ia se controlar, mas na hora H uma força estranha, que ele não domina, vence.

José está começando a perceber que suas decisões são muito pouco racionais. Precisa entender como sua cabeça funciona na hora de decidir. Ele sabe o que faz errado. E, para fazer melhor, fazer diferente, precisa entender o porquê, que armadilhas evitar. Está convencido de que pode aprender com a própria experiência e erros.

Os psicanalistas dizem que funcionamos de duas formas muito diferentes, guiados pelo princípio do prazer ou princípio da realidade. Advinha qual deles, mais antigo, primitivo e infantil, prevalece em nossa mente? O princípio do prazer, que impõe urgência para satisfazermos nossos desejos; tudo tem de ser já, agora, na hora. Esperar, planejar? Fora de questão.

Também é verdade que ninguém gosta de sentir a frustração de não conseguir o que quer. Cada um de nós lida com a frustração do seu jeito: comendo, bebendo, comprando, comprando mais, brigando, reclamando, qualquer coisa que alivie a tensão que surge quando não temos a gratificação que queremos.

PRAZER X REALIDADE

José observou que pagou a maioria das compras com o cartão de crédito. Talvez seja esse o seu mecanismo de defesa, para não estragar o prazer da compra e enfrentar a realidade de que é preciso pagar por ela. O uso do cartão permite afastar uma coisa da outra, transferindo para outro momento a realidade do pagamento.

José sabe que precisa encontrar o equilíbrio entre o que ganha e o que gasta. Como fazer isso? Decidiu fazer uma experiência. Durante algum tempo, vai utilizar outro meio de pagamento. Vai usar somente dinheiro ou cheque (nada de cheque pré-datado!), evitando adiar o pagamento e limitando as despesas ao dinheiro disponível. Será um exercício e tanto de escolha!

Fará também outra experiência que pode parecer meio antiga, fora de moda, mas pode funcionar. Cada item do orçamento familiar terá um envelope separado, no qual será colocado o dinheiro (ou cheque): aluguel, condomínio, escola, saúde, transporte, lazer etc.

Se a técnica funcionar, em breve terá o envelope da reserva financeira, e o 13º salário do próximo ano terá outro destino e será todo seu.


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