Folha de S. Paulo


O que leva as pessoas ao endividamento excessivo

As estatísticas sobre o endividamento das famílias brasileiras sempre me surpreendem e despertam minha curiosidade acerca do que leva as pessoas a contrair dívidas excessivas e por que fazem isso normalmente para financiar consumo, com a utilização das linhas de crédito mais caras do mercado.

Constatei que os órgãos reguladores também se preocupam com o assunto ao encontrar pesquisa realizada pelo Banco Central com consumidores de produtos financeiros em situação de endividamento excessivo e com restrições cadastrais.

O estudo visa identificar aspectos comportamentais e compreender o processo e as motivações dos consumidores. Os resultados da pesquisa servirão de subsídio para a elaboração de ações de educação financeira, voltadas para os cidadãos e para as instituições financeiras.

A pesquisa foi conduzida com dois perfis dos entrevistados:

1) consumidores em situação de endividamento excessivo que procuraram os serviços do Procon e/ou de Defensoria Pública em busca de orientação sobre suas dívidas; 2) consumidores com dívidas e restrições cadastrais, com dívidas bancárias em atraso há pelo menos seis meses e com pelo menos três apontamentos no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e/ou Serasa.

MEA CULPA

A pesquisa qualitativa identificou diversas motivações que teriam levado os entrevistados a iniciar a situação de endividamento excessivo. As mais citadas foram:

1) Fatos inesperados - Perda de emprego e renda, doença própria e/ou de familiares, morte do responsável pela maior parte da renda familiar, gravidez não programada, separação conjugal;

2) Falta de planejamento financeiro - Compras por impulso, excesso de parcelamento e uso de linhas de crédito de forma impulsiva e descontrolada; e

3) Empréstimo do nome - O entrevistado retirou empréstimo e/ou financiamento em seu nome para terceiros ou emprestou o seu cartão de crédito a terceiros.

CULPA ALHEIA

A pesquisa indica que os consumidores acreditam que as linhas de crédito são úteis e benéficas quando usadas de forma consciente.

No entanto, diversos entrevistados afirmaram que elas escondem "armadilhas" as quais muitas vezes acarretam endividamento excessivo, com impactos financeiros e emocionais significativos. Alguns exemplos:

1) Excesso de linhas de crédito, com oferta ostensiva;

2) Falta de informações claras sobre as condições da operação, com ênfase em facilidades e benefícios, sem mencionar os riscos;

3) Concessão e/ou aumento de limites acima da capacidade de pagamento sem solicitação;

4) Juros excessivos e inflexibilidade dos credores para renegociação das dívidas dificultam a saída da situação de acúmulo de dívidas e inadimplência.

LIÇÃO APRENDIDA

Para grande parte dos entrevistados, o problema de endividamento excessivo foi reconhecido somente quando as cobranças chegaram ou quando perceberam que não tinham dinheiro para honrar os compromissos assumidos.

As experiências de endividamento, apesar de negativas, resultaram em um aprendizado para o uso de linhas de crédito, na chance de reaprender a lidar com o dinheiro e na motivação para mudar o comportamento em relação à própria organização financeira.

Baseados em suas experiências, os participantes indicaram os seguintes caminhos para evitar e para sair da situação de endividamento excessivo:

- Controlar orçamento por meio de planilha financeira;

- Manter no máximo um cartão de crédito, cancelando os demais;

- Economizar, poupar e ter reserva financeira;

- Não aceitar muitas linhas de crédito nem limites elevados;

- Aceitar propostas de renegociação de dívida apenas se o credor reduzir juros; e

- Não parcelar as compras em muitas vezes.

EVITE

Podemos aprender com o erro alheio evitando adotar os mesmos hábitos e comportamento que levaram os entrevistados a experiências tão desfavoráveis, com um longo e tortuoso caminho de recuperação a percorrer.

Aos consumidores recomendo planejamento e limite de gastos, além do hábito saudável de acumular o dinheiro primeiro e comprar à vista depois. Às instituições financeiras e varejistas em geral, a constatação de que, se o seu cliente tem uma dívida, você tem um problema. Repensar o propósito e a ética nos negócios pode ajudar a escrever uma nova história, com um final bem diferente.


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