Folha de S. Paulo


Segunda constante matemática mais famosa, número 'e' só perde para o Pi

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Selo suíço de 2007 em homenagem ao 300º aniversário de Leonhard Euler, que
Selo suíço de 2007 em homenagem ao 300º aniversário de Leonhard Euler, que "batizou" o número e

A querida leitora Cândida juntou R$ 1.000, fruto de muito trabalho, e agora quer investir. Fala com o gerente bancário, que lhe propõe aplicação financeira por um ano com juros de 100%. Isto é, daqui a um ano ela terá mais R$ 1.000, totalizando R$ 2.000. Uma proposta muito tentadora, sem dúvida.

Mas Cândida tem dúvidas, quer pensar mais, e o gerente fica com receio de perder a freguesa. Então, propõe uma alternativa: dividir o ano em dois períodos iguais, com juros de 50% em cada um. A primeira reação dela é achar que o gerente está tentando lhe passar a perna, trocando seis por meia dúzia: duas vezes 50% é o mesmo que 100%, certo?

Mas não é bem assim, explica o gerente. A partir do investimento inicial de R$ 1.000, em seis meses Cândida ganharia 50% (a metade) desse montante, ou seja, ficaria com mais R$ 500. Em seguida, mantendo esses R$ 1.500 investidos por mais meio ano, ganharia mais 50% desse montante, R$ 750. Desta forma, concluiria o ano com R$ 1.500 mais R$ 750, ou R$ 2.250. É bem melhor do que na opção anterior, constata, satisfeita.

O gerente tenta convencê-la a assinar o contrato logo, mas agora ela está com a pulga atrás da orelha: se foi vantagem dividir o período de investimento em dois semestres, como será se dividirem em três quadrimestres, cada um com juro de 33,33%? O resultado final será R$2.370. Muito bom!

O bancário já está arrependido de ter proposto a alternativa. Cândida está desconfiada de que quanto mais períodos houver, mais vantajoso será o investimento, e não vai parar até ter a certeza. Por exemplo, se dividirem o ano em quatro trimestes, em cada um deles Cândida ganhará 25% (ou seja, um quarto) do valor investido. Então, começando com R$ 1.000, após três meses terá R$ 1.000 vezes (1+1/4); após seis meses terá R$ 1.000 vezes (1+1/4)2; após nove meses terá R$ 1.000 vezes (1+1/4)3; e ao fim do ano estará com R$ 1.000 vezes (1+1/4)4. Faz a conta e verifica que o valor subiu sim: agora dá R$ 2.441. Ahá!!

A esta altura, Cândida já percebeu a regra geral: se dividirem o ano em N períodos iguais, ao final terá R$ 1.000 vezes (1 + 1/N)N. Quando tiver um tempinho livre, Cândida vai tentar provar matematicamente que o valor sempre aumenta quando N aumenta (até aqui, só verificou isso para alguns valores). Mas neste momento está mais interessada em outra questão: até onde dá para ir com esta técnica? Será que se considerarem um número N grande chegam a R$ 3.000?

Muito antes dela, o matemático suíço Jacob Bernoulli (1605-1705) também se interessou por este tipo de questões. Isso nada tem de surpreendente: na Suíça, calcular juros compostos é esporte nacional! Em 1683, Bernoulli observou que, embora o dinheiro vá crescendo quando N aumenta, os incrementos são cada vez menores. Se usar um regime de juros semanais (com N=52), Cândida terminará com R$ 2.692. Já se os juros forem diários (N=365), terminará com R$ 2.714, só R$ 22 a mais. Também é possível mostrar matematicamente que à medida que N aumenta o valor da expressão (1+1/N)N se aproxima de um certo número

2,718 281 828 459 045 235...

tanto quanto quisermos.

É a segunda constante mais famosa da matemática: só perde para o número À (Pi), e costuma ser representado pela letra e. Atente para os pontinhos ao final: a expressão do número e continua indefinidamente! É outro daqueles números esquisitões (e muito interessantes!) cujos dígitos não se repetem nem seguem nenhuma regra aparente. Parecem ir surgindo ao acaso.

Na verdade, este número já tinha aparecido bem antes, em um trabalho sobre logaritmos do matemático escocês John Napier (1550-1617), publicado em 1618. Por essa razão, costuma ser chamado constante de Napier, constante neperiana. Só que nesse trabalho o e estava apenas implícito, Napier nunca escreveu seu valor.

Em 1668, o alemão Nicolaus Mercator (1620-1687) publicou livro em que usou, pela primeira vez, a expressão "logaritmo natural" para se referir aos logaritmos na base e. Mas Mercator também não escreveu o valor de e: o primeiro a se preocupar com a questão foi mesmo Bernoulli. Em particular, Bernoulli observou que e está entre 2 e 3; mas não percebeu que e tivesse algo que ver com logaritmos.

O primeiro a chamar o número de e foi Leonhard Euler (1707 - 1783), em 1731 (parece que o fato de ter usado a inicial do próprio nome foi pura coincidência). No livro "Introductio in analysin infinitorum", de 1748, Euler provou vários fatos importantes sobre este número, inclusive a seguinte igualdade:

e = 1 + 1/(1!) + 1/(2!) + 1/(3!) + 1/(4!) + ÑÑÑ + 1/(N!) + ÑÑÑ

onde N! representa o fatorial de N, ou seja, o produto de todos os números inteiros de 1 até N. Usando esta fórmula, Euler conseguiu calcular o valor de e com quinze dígitos corretos. Hoje, com o uso de computadores, é possível calcular trilhões de dígitos.

Cândida me escreveu há pouco para dizer que já resolveu a questão do investimento e agora tem outra curiosidade: quem é maior, eÀ ou Àe? Respostas são bem-vindas pelo e-mail viana.folhasp@gmail.com.


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