Folha de S. Paulo


Tomar decisões é difícil, mas a matemática pode ajudar

Cristina Grumbach e Márcio Bradariol/Divulgação
Cena do documentário
Cena do documentário "Edifício Master", de Eduardo Coutinho

O documentário "Edifício Master", dirigido por Eduardo Coutinho e lançado em 2002, relata o cotidiano de um prédio em Copacabana, Rio de Janeiro. Com 12 andares e 500 moradores em 276 apartamentos conjugados (23 por andar!), o Master é um microcosmo da Princesinha do Mar, com suas glórias e misérias. A equipe morou três semanas no prédio, filmando e entrevistando moradores. Alguns depoimentos são hilários, outros dramáticos. Todos são profundamente humanos.

Uma das entrevistas é com o síndico, que resgatou o prédio de um longo período de degradação. Quando perguntado como faz para gerir todos os problemas, responde com um leve sorriso: "Eu uso muito Piaget. Quando não dá certo, eu parto para o Pinochet". São referências ao psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), pioneiro do estudo do desenvolvimento da criança, e ao ditador chileno Augusto Pinochet (1915-2006), autor do pior período de repressão dos direitos humanos em seu país.

Fico imaginando como serão as reuniões de condomínio do Master, e como a matemática poderia ajudar. Suponhamos a seguinte situação, que não parece muito complicada. O condomínio precisa eleger uma comissão de três pessoas para redigir o novo regimento. Há exatamente três candidatos, o que simplifica as coisas. Mas a chapa precisa ser ordenada, porque o primeiro será o presidente da comissão –muito prestígio!–, o segundo será um mero vice-presidente, e o terceiro será o secretário –que terá todo o trabalho.

Esse é um tipo de problema que ocorre em muitas outras situações, claro. Por exemplo, no Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) precisamos lidar com situações como essa quando contratamos pesquisadores ou decidimos sobre prêmios ou bolsas para os alunos.

O síndico do Master sugere que cada um dos 276 condôminos vote indicando a sua ordem de preferência entre os três candidatos, e assim é feito. Agora é preciso transformar as 276 ordenações propostas pelos moradores em uma ordenação coletiva, representativa de todo o condomínio. Se todo o mundo tivesse indicado a mesma preferência, seria muito fácil: decisão por unanimidade e todo mundo volta cedo para casa. Mas quando é que reunião de condomínio tem unanimidade?!?

Nessa hora de dificuldade, o nosso dinâmico síndico faz o que todo administrador esclarecido faria: chama um matemático para ajudar, claro. A tarefa é definir uma regra justa, imparcial e impessoal para encontrar a preferência de todo o condomínio a partir daquelas que foram expressas pelos moradores. O matemático imediatamente propõe que se adotem os seguintes princípios.

Primeiramente, se por acaso um certo candidato, X, estiver na frente de outro, Y, nas preferências de todos os moradores, então X tem que aparecer na frente de Y na ordenação final. Essa proposta –que chamaremos Princípio 1– é aceita imediatamente. Acredito inclusive que terá contribuído para consolidar a reputação dos matemáticos como pessoas sensatas e ponderadas.

Em seguida, o especialista propõe que a posição relativa (quem fica à frente de quem) de dois candidatos quaisquer, X e Y, na lista final, dependa apenas das suas posições relativas nas preferências dos condôminos. Em outras palavras, ela não deverá depender das opiniões sobre o outro candidato, Z. Após alguns esclarecimentos, esta proposta –o Princípio 2– é igualmente aprovada. A assembleia de condomínio sorri, confiante de que a questão está em boas mãos.

Mas é aí que cai a bomba: o matemático informa que a única maneira de resolver a questão obedecendo aos Princípios 1 e 2 é escolhendo um dos condôminos –não importa como– e adotando a preferência dessa pessoa. Em outras palavras, eles precisam de um ditador! E é claro que o matemático pode provar o que diz: ele está apenas usando o famoso teorema da impossibilidade de Arrow.

Em tempo: em momento algum o matemático diz que o ditador precisa ser o síndico. Pode ser qualquer condômino. Não vá o leitor desconfiado suspeitar de um conchavo, a que nem o valoroso gestor nem o competente cientista se prestariam jamais!

Kenneth Joseph Arrow (1921-2017) foi um economista, cientista político e escritor americano, vencedor do prêmio Nobel da economia em 1972. Os seus principais trabalhos tratam da teoria do equilíbrio geral, da economia da informação e da teoria da decisão. O teorema da impossibilidade de Arrow tem inúmeros desenvolvimentos. Juntamente com o teorema da incompletude de Gödel, da lógica, e o princípio da incerteza de Heisenberg, da mecânica quântica, constitui um dos mais intrigantes alertas sobre os limites daquilo que podemos conhecer. E também é um desafio instigante a que busquemos contornar esses limites.

O livro "Geometry of voting", do americano Donald Saari, desenvolve a teoria matemática das eleições, explicando como podemos tomar decisões matematicamente mais justas e imparciais apesar das limitações impostas pelo teorema de Arrow. O livro ficou muito popular nos Estados Unidos por ocasião da eleição presidencial Bush-Gore de 2000, com suas inacreditáveis trapalhadas de (re)contagens de votos. Infelizmente, lá preferiram não chamar os matemáticos para ajudar.

Agora está na hora de testarmos o talento da leitora e do leitor para tomar decisões. O seguinte tipo de questão remonta ao grande economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946).

Numa urna fechada existem 10 bolas vermelhas e mais 20 bolas brancas ou pretas –só que não sabemos quantas de cada uma dessas cores. Vai ser retirada uma bola. Você prefere apostar nas vermelhas (ganha R$ 100 se sair bola vermelha) ou nas pretas (ganha R$ 100 se sair bola preta)?

Respostas são bem vindas pelo e-mail viana.folhasp@gmail.com


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