Folha de S. Paulo


O dia em que o Ceará comprovou a teoria da relatividade

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Foto clássica de Albert Einstein
Foto clássica de Albert Einstein

Naquele dia 29 de maio de 1919, a cidade de Sobral (CE) não apresentava a sua tranquilidade habitual. Rumores insistiam que o eclipse solar anunciado para esse dia era prenúncio de desgraças. Para piorar o nervosismo, tinha chegado à pacata cidade de 2.000 habitantes uma comitiva com homens do longínquo Rio de Janeiro e até estrangeiros! Entre eles um matemático de 27 anos chamado Lélio Gama que, muitos anos depois, seria o primeiro diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada. O que fazia essa gente estranha na pequena Sobral?

Em 1905, Albert Einstein havia publicado a teoria da relatividade. Partindo do princípio (formulado pelo matemático francês Henri Poincaré) de que as leis da física devem ser as mesmas para todos os observadores em movimento uniforme, o quase desconhecido físico alemão havia revolucionado as noções de tempo e espaço.

Era um defeito sério, porém, a teoria só valer para movimento uniforme. As leis da física devem ser as mesmas para todos os observadores, sem exceção. Mas como contornar o fato evidente de que estar num carro sendo acelerado, ou freado, não era o mesmo que rodar com velocidade constante? A resposta custou a Einstein dez anos de trabalho, embora fosse claro desde cedo que o segredo residia no fenômeno da gravitação. Em 1915, ele publicou, enfim, a teoria da relatividade geral.

A essa altura, Einstein era um cientista consagrado, com inúmeras contribuições. Havia desvendado o efeito fotoelétrico (o fenômeno por trás da tecnologia que abre portas e acende luzes quando eu passo), o que lhe daria o prêmio Nobel da física em 1921. Mas reputação não é argumento –não em ciência. As previsões da nova teoria precisavam ser testadas por meio de experimentos.

Todos já vimos água saindo de uma mangueira: no lugar de seguir em linha reta, o jato curva-se na direção do chão, devido à gravidade da Terra. A teoria da relatividade geral afirma que isso também acontece com a luz ao passar perto de um corpo maciço: ela faz uma curva. Então bastaria observar estrelas ao redor do Sol: devido ao fato da sua luz ter percorrido uma trajetória curva ao passar perto do Sol, essas estrelas teriam que aparecer em posições um pouco diferentes das verdadeiras.

Bom, não é tão simples assim. Para começar, o desvio é muito pequeno: apenas 1,75 segundos de grau, ou seja, 185 mil vezes menos que a abertura de um ângulo reto! Pior: como podemos observar estrelas em volta do Sol, já que a luz intensa deste último ofusca tudo ao seu redor? Precisaríamos de um anteparo capaz de tapar o Sol, mas não o que está em volta.

Tal anteparo existe: é a Lua! Por uma coincidência notável, o nosso satélite é 400 vezes menor que o Sol, mas também está cerca de 400 vezes mais perto da Terra. Então, quando os três astros estão bem alinhados, o disco negro da Lua é um anteparo perfeito para o disco solar. Infelizmente, esses eclipses totais do Sol são raros e só podem ser observados em certas regiões. Além disso, em plena guerra mundial não havia espaço para a ciência da paz.

Tão logo terminou o conflito, em 1918, a Royal Astronomical Society da Inglaterra pôs mãos à obra. O primeiro eclipse total seria em 29 de maio de 1919 e seria visível nas regiões equatoriais do Brasil e da África Ocidental. Duas expedições foram enviadas, para Sobral e para a minúscula ilha do Príncipe, no golfo da Guiné.

A expedição no Brasil foi chefiada pelo diretor do Observatório Nacional (ON), Henrique Morize, e integrava pesquisadores do ON, entre os quais o jovem Lélio Gama, na qualidade de "calculador". Na ilha do Príncipe, o mau tempo prejudicou o trabalho.

Em Sobral, o dia amanheceu nublado, mas logo abriu-se um clarão que proporcionou excelentes condições para observação. Ao final não houve fogos de artifício: Morize pedira à população que evitasse tudo que pudesse atrapalhar as observações.

Com base nas fotos tiradas em 6 de novembro de 1919, a Royal Astronomical Society declarou que a experiência havia provado que a teoria da relatividade geral estava correta. Em 1925, Einstein veio ao Brasil para visitar o Observatório Nacional e agradecer a Sobral por sua contribuição à comprovação de seus estudos.

O famoso historiador britânico Paul Johnson escreveu em 1983: "O mundo moderno começou em 29 de maio de 1919, quando fotografias de um eclipse solar, tiradas na Ilha do Príncipe, na África Ocidental, e em Sobral, no Brasil, confirmaram a verdade da nova teoria do universo".

Desde 1999, o Museu do Eclipse assinala, no próprio local das observações, o dia em que uma pequena cidade entrou para a história.


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