Folha de S. Paulo


Pai de armas infernais e gênio matemático: redescubra Arquimedes

Stefan Zachow/International Mathematical Union (IMU)
Medalha Fields, considerado o prêmio Nobel da matemática
Medalha Fields, considerado o prêmio Nobel da matemática

Faz quase 200 anos que a pequena cidade de Roma iniciou a caminhada histórica que vai transformá-la em senhora do mundo. Conquistando gradualmente os vizinhos, por meio de diplomacia, força, astúcia e, mais ainda, sua inquebrável tenacidade, a jovem república já anexou praticamente toda a península itálica. Os romanos vencem, quase sempre. Eles também perdem, por vezes. E até levam desaforo para casa. 

Mas os romanos sempre voltam para dar o troco, com juros.
 
A marcha já os levou ao encontro de seu maior inimigo, a poderosa cidade africana de Cartago, fundada por colonos fenícios. Roma venceu a primeira rodada, com dificuldade, mas o conflito não está resolvido. E agora, neste ano de 212 a.C. trava-se mais uma batalha crucial nesta guerra que vai mudar a face da História. A pólis grega independente de Siracusa, na Sicília, havia sido importante aliada de Cartago, depois de Roma. Quando os siracusanos ameaçam voltar ao partido de Cartago, Roma não hesita: um poderoso exército é enviado, sob o comando do cônsul Marcus Claudius Marcellus, para atacar por terra e por mar. Siracusa é poderosa, com fortes muralhas e um exército experiente. A conquista nunca seria fácil, nem mesmo para a implacável legião romana.

Além disso, o rei de Siracusa conta com uma arma secreta: um velho matemático e cientista. Seu nome é Arquimedes.
 
Arquimedes teria nascido na Siracusa por volta de 287 a.C. e estudado em Alexandria, no Egito. O pouco que sabemos sobre ele não deixa dúvida de que se trata de um dos maiores matemáticos de todos os tempos. Entre muitos feitos, foi o precursor do cálculo matemático, que seria redescoberto quase 2 mil anos depois por Newton e Leibniz e está na base de todo o desenvolvimento científico e tecnológico da era moderna. Galileu se referiu a ele como "sobre-humano" e Leibniz escreveu que quem conhece os trabalhos de Arquimedes dá menos valor àqueles que o seguiram. Não é à toa que é dele a efígie que adorna a Medalha Fields, o mais cobiçado prêmio da matemática.
 
Foi também um extraordinário cientista e engenheiro. Seu episódio mais famoso, embora talvez fictício, entrou no folclore universal. O rei  encomendou uma coroa de ouro e queria saber, sem estragá-la, se o metal havia sido adulterado. Arquimedes descobre a solução do problema durante o banho e sai gritando "Eureka!" ("Descobri!", em grego). O chamado parafuso de Arquimedes, que pode ser usado para elevar água e objetos para níveis superiores, também viria a ser redescoberto, quase dois milênios depois, por ninguém menos que Leonardo da Vinci.
 
Mas os legionários romanos provavelmente estavam muito mais impressionados mesmo com as armas infernais desenvolvidas por Arquimedes para a defesa de Siracusa. A famosa "garra de Arquimedes", uma espécie de guindaste de madeira, arrastava e empurrava os navios romanos para baixo d'água ou os erguia e lançava de volta no mar, destruindo-os. Arquimedes também teria usado seus conhecimentos de ótica para construir um sistema de espelhos capaz de focar os raios de sol sobre os navios romanos: construídos em madeira com revestimento de alcatrão, rapidamente eram consumidos em chamas. 
 
Os romanos conheciam perfeitamente o valor da matemática, ciência e tecnologia para o desenvolvimento da nação (ainda que nesse caso significasse, sobretudo, para a guerra). Na tomada de Siracusa, Marcellus deu ordens explícitas para que a vida de Arquimedes fosse poupada a todo o custo. Infelizmente, o legionário que encontrou o matemático meditando no jardim de casa não reconheceu o velho, ou preferiu vingar os companheiros mortos no cerco, e o executou.


Endereço da página: