Folha de S. Paulo


O mesmo mar

POR FORÇA do acaso, a cidade israelense de Ashkelon, na costa do Mediterrâneo, se transformou no lar temporário da palestina Manal Shain na virada do ano. Moradora da faixa de Gaza, ela estava em um hospital da vizinha Ashkelon, onde havia levado o filho de dois anos para um tratamento, quando teve início a ofensiva contra o grupo islâmico Hamas.

Impedida de voltar para casa e grávida de nove meses, Manal acabou dando à luz em Israel, a poucos metros do mar que costumava ver perto de onde vive. Dividida entre o conforto da maternidade superequipada e a angústia de pensar no marido e nos três filhos que deixara em Gaza, a palestina de 36 anos refletia sobre o absurdo. "Temos o mesmo mar, mas vivemos em mundos tão diferentes", lamentou, arrancando um sorriso resignado da enfermeira israelense que se convertera em confidente.

A angústia da mãe palestina parecia traduzir o trágico destino de dois povos condenados a dividir a mesma geografia, mas que não conseguem reconciliar suas histórias. Um afastamento alimentado por anos de intolerância, que anestesiou a capacidade de ter compaixão com o sofrimento do outro. Em conversas com palestinos e israelenses, a desconfiança mútua dá o tom. É cada vez mais raro encontrar alguém capaz de analisar o conflito pelo prisma do outro. A guerra em Gaza ampliou esse fosso.

Entre os palestinos, cresceu o apoio ao Hamas, mesmo entre aqueles que rejeitam o seu fundamentalismo religioso. Apesar da devastação em Gaza (ou graças a ela), o grupo é mais que nunca visto como a única resistência ao interminável domínio israelense. Em Israel, a guerra contra o Hamas só seria mais popular se tivesse durado mais tempo. Prova disso é o favoritismo nas eleições da próxima terça-feira do direitista Likud, partido liderado pelo ex-premiê Binyamin Netanyahu.

De acordo com as pesquisas, ele voltará ao cargo que ocupou entre 1996 e 1999, período em que o frágil processo de paz entre Israel e os palestinos começou a agonizar. Se àquela época a solução do conflito parecia difícil, hoje ele assumiu contornos de impossibilidade. Divididos, os palestinos ainda não fundaram um Estado, mas têm dois governos, enquanto toleram a cartilha hitlerista do Hamas. Em Israel, a sociedade deu vários passos para a direita e aceitou virar refém da retórica desumanizadora de que "não há parceiro para a paz".

Os oito anos de George W. Bush e seu apoio incondicional a Israel contribuíram para a paralisia. Barack Obama pode restabelecer a credibilidade dos EUA como mediador, mas o empurrão externo não basta. A paz só nascerá quando as mães israelenses e palestinas ensinarem a seus filhos que, além do mar Mediterrâneo, os dois povos compartilham o mesmo destino.

MARCELO NINIO, enviado especial a Jerusalém, é correspondente da Folha em Genebra.


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