Folha de S. Paulo


A questão do juro

A Selic subiu novamente, mesmo com a estagnação. Isso tem reanimado as críticas à tentativa de sua redução mais acelerada no primeiro mandato da presidenta Dilma. A iniciativa teria sido só um ato de vontade, que falhou por se opor à "ciência" econômica. O juro seria alto porque a poupança no país é baixa.

Há uma controvérsia teórica. A ortodoxia entende que a poupança precisa ser acumulada previamente ao investimento. Isso faz sentido, por exemplo, para uma firma: reter lucros ajuda a conseguir financiamentos a custo mais baixo.

Mas a moeda fiduciária, criada pelo BC e pelo sistema financeiro ao conceder empréstimos, torna macroeconomicamente prescindível o acúmulo prévio de recursos. A poupança agregada é necessária para pagar os financiamentos, mas pode ser obtida com a atividade gerada posteriormente pelos investimentos.

Não há uma taxa de juro "natural" determinada pelas propensões a poupar e a investir. O juro é fixado pela autoridade monetária, com maior ou menor autonomia conforme o grau de mobilidade de capital existente –que define as oportunidades de buscar taxas maiores pelo mundo–, os resultados do balanço de pagamentos (câmbio) e o regime de controle da inflação.

Assim, havia dificuldades na estratégia de redução mais rápida do juro. Aliás, foi esse o tema de minha primeira coluna ("Juros baixos e metas de inflação", de 6/9/2012).

Sob o atual regime de metas de inflação, a redução do juro exige um grande esforço de contração fiscal. Isso foi feito em 2011, que teve expressiva elevação do superavit primário e o aperto monetário das chamadas "medidas macroprudenciais".

Assim, o crescimento caiu de 7,5% em 2010 para 2,7% no ano seguinte. Em conjunto com a recidiva da crise financeira internacional a partir do segundo semestre de 2011, esse movimento levou à estagnação atual.

Numa economia parada, não é recomendável apertar a política fiscal. Nesse sentido, a aposta foi nas desonerações tributárias, porém, por si só, elas não puxam a demanda. Seu resultado foi mais o de mitigar os efeitos inflacionários que os juros mais baixos trouxeram por causa de seus impactos de desvalorização do câmbio. Os últimos três anos foram os únicos que tiveram depreciação cambial sem que a inflação estourasse a meta. É pouco.

Como ouvi em debate recente, a lição talvez seja que, além de fazer mudanças consagradas no regime de metas (como adotar o núcleo da inflação), é mais eficiente a estratégia do governo Lula de diminuir o juro mais devagar. Teria sido melhor não ter feito a contração de 2011, apostando no crescimento sustentado para facilitar o ganho fiscal que permitiria seguir reduzindo o juro.

Contudo, num país de juro muito alto, isso não invalida a tentativa feita e tampouco explica a reação excessiva nos meios de comunicação.

Essa reação talvez tenha menos a ver com crenças econômicas do que com algo mais prático: a concorrência bancária. Suas armas são propaganda, tecnologia, número de agências etc. Tacitamente, a competição via preços deve ser evitada. A queda de juros e de "spreads" quebrou tal paradigma.

É possível compensar o menor juro com maior volume de crédito. Porém é mais arriscado. Além disso, os bancos públicos conseguiram continuar aumentando sua participação no crédito total, de 41,7% em 2010 para 53,5% em 2014.

A estratégia exigiu reforçar as fontes de recursos dos bancos públicos, o que elevou a dívida pública bruta. Ainda assim, em 63% do PIB, ela continua baixa internacionalmente. O problema não é seu tamanho, mas o juro incidente elevado.

Grandes anunciantes e defensores de um status quo que beneficia os mais ricos com taxas de juro muito altas, não foi difícil para o dito "mercado" ecoar sua insatisfação, como se fosse a defesa de uma indiscutível "ciência" econômica.

Seu poder não se restringe aos meios de comunicação. É forte no mercado financeiro propriamente dito. Assim é até compreensível que o governo tente reeditar a estratégia de 2003, cedendo ao que a elite entende por estabilidade econômica.

Infelizmente as condições prometem não ser tão favoráveis para a retomada após o ajuste ortodoxo. A economia global continua fraca. A seca ameaça o abastecimento de energia e água. O investimento tendem a travar por um tempo em razão da Lava Jato. O ano não será fácil.


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