Folha de S. Paulo


O modelo do Chile?

O Chile tem sido uma referência do liberalismo econômico para o Brasil. O seu capítulo, escrito pelo economista da Cepal Álvaro Dias, no livro "Padrões de desenvolvimento econômico, estudo comparativo de 13 países: América Latina, Ásia e Rússia" permite perceber similaridades e diferenças entre os países.

O modelo chileno é invejado porque desde 1973 foi abandonada a industrialização substitutiva de importações (ISI) para criar uma economia aberta, baseada na exportação de recursos naturais.

O mercado interno pequeno e a tendência à apreciação cambial impediram que o país obtivesse no pós-Guerra taxas reais de crescimento anual do PIB tão robustas como a brasileira. De 1960 a 1972, a média chilena foi de 3,9% (1,8% da renda per capita) enquanto a do Brasil de 1945 a 1980 foi de 7,3% (4,4% da renda per capita).

A reversão da ISI após o golpe militar foi abrupta. Foi feito um extenso programa de privatizações de empresas e bancos públicos, mas mantendo o controle da estatal de cobre nacionalizada por Salvador Allende em 1971. Na década de 1980, houve as concessões em telecomunicações e eletricidade, além da abertura regulatória visando expandir os seguros de saúde e a previdência privada.

Houve drástica redução das tarifas alfandegárias, desregulamentação financeira e abertura dos fluxos externos de capitais, elevando fortemente o endividamento externo e deixando o país altamente vulnerável ao choque dos juros americanos que levou à crise da dívida na América Latina nos anos 1980.

Os resultados econômicos da ditadura (1973-1989) foram ruins, com média de crescimento anual de 3,1% do PIB (1,5% da renda per capita), aumento da pobreza e da desigualdade.

Ainda assim –e embora o cobre, mineral que o país detém um terço das reservas mundiais, ainda represente mais de 40% do valor das vendas externas–, o Chile conseguiu diversificar as exportações a partir de sua base de recursos naturais, que também inclui o cultivo de frutos, a pesca, a vinicultura e a produção florestal.

Para tanto, contribuíram o aparato de planejamento montado no período da ISI e a formatação de grupos econômicos familiares, fortalecidos a partir da privatização, que vendeu as estatais por valores depreciados.

Esses grupos se diversificaram e passaram a dominar o mercado interno (comércio, construção etc) e as cadeias produtivas de exportação (cobre, celulose e papel, transportes aéreo e marítimo), além de terem se expandido na América Latina.

A partir da redemocratização em 1990 até 2010, e novamente a partir de 2014, o país é governado por uma coligação de centro-esquerda. Com uma estratégia de ajuste fiscal permanente e a melhora nos preços das exportações, ela conseguiu florescer o modelo de economia aberta, baseada em recursos naturais, fazendo do período 1990-2010 o mais próspero da história chilena, com média de crescimento anual de 5,5% (4,2% da renda per capita).

A dívida pública bruta caiu para menos de 10% do PIB, a inflação anual foi reduzida a taxas próximas a 3%, o gasto social per capita triplicou.

Porém o modelo de liberalização comercial associada à apreciação cambial e à flexibilização do mercado de trabalho fez com que os salários reais crescessem abaixo da produtividade e a queda da desigualdade tenha sido tímida, fazendo com que o Chile continue como um dos países mais desiguais do mundo.

A opção pela expansão privada de serviços de educação, saúde e previdência, em vez de buscar a universalização pública, tem sido questionada como uma fonte de resistência à redução da desigualdade e está na base das mobilizações sociais do Chile nos últimos anos.

O crescimento vem caindo e não só como fruto da estagnação global, mostrando os limites do modelo de inserção externa baseada em recursos naturais e da política macroeconômica de apreciação cambial, em que o aumento da demanda interna vaza para as importações.

Como o Brasil, o Chile conseguiu montar cadeias produtivas de commodities eficientes. Esse sucesso se torna mais perceptível porque sua população reduzida (um décimo da brasileira) faz com que o país esteja entre os de maiores dotação per capita de recursos naturais. Ainda assim, sua experiência parece mostrar os limites da primarização da estrutura produtiva. Se vale para lá, quanto mais para cá.

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Que tristeza! Pena que sete não foi conta de mentiroso.


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