Folha de S. Paulo


Industrialização comparada

Está no prelo o livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia", editado pelo CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) e organizado pelo professor da UFRJ Ricardo Bielschowsky. A obra retoma tradição de análises de padrões e singularidades nas trajetórias de desenvolvimento.

Ao comparar AL (América Latina) e Ásia, o livro permite completar uma avaliação feita na coluna retrasada sobre a industrialização por substituição de importações (ISI) ocorrida no pós-Guerra. A partir dos anos 1970, os choques do petróleo e dos juros americanos e a liberalização financeira interromperam a ISI, o que significou na AL um longo período de baixo crescimento e de reversão da aproximação em relação à renda per capita e à estrutura produtiva dos países ricos.

Porém na Ásia não houve tal descarrilhamento. Há razões para isso.

Ambas as experiências recorreram a protecionismo, subsídios, financiamento público, estatais e coisas afins para superar a inércia de uma industrialização tardia.

A AL teve como traço marcante o recurso a empresas transnacionais para acelerar a absorção de tecnologias e a criação de setores. Isso atendeu aos interesses da firmas estrangeiras, em especial as que à época não tinham posição competitiva de destaque na Europa e nos EUA e procuravam novos mercados.

Se propiciava crescimento e mudança estrutural mais velozes, o capital externo também trouxe graves limitações. O capital privado nacional permaneceu frágil e mais voltado a setores de bens não transacionáveis, como bancos e construção.

A internalização de plantas prontas de diferentes origens dificultou a articulação entre as matrizes industriais e dessas com os produtores de bens de capital. De início, a busca de exportações nem sequer era questão posta, pois não fazia parte da lógica da vinda das transnacionais.

Frações reduzidas das populações ascenderam, tendo acesso a empregos de alta produtividade e remuneração. O caráter restritivo fez a industrialização concentrar renda, o que em certa medida foi funcional ao criar mercado para bens de grande valor. Mas a fragilidade do consumo de massas ampliou a falta de autonomia do capitalismo na região.

Como pontua o capítulo do México, feito pelo professor da USP João Furtado, a ISI era uma bola de neve: o aumento de renda e consumo eleva as importações, o que, sem o crescimento das exportações, amplia o deficit comercial, exigindo um novo passo na substituição de importações e, assim, reforçando qualitativamente a dependência externa.

A Ásia, por seu turno, teve a vantagem de ter sido palco-chave da Guerra Fria, levando os EUA a conceder substanciais ajudas financeiras a aliados e permitir arranjos mais autônomos de desenvolvimento.

A escassez de recursos naturais e o primado do longo prazo à custa do bem-estar presente (principalmente da elite) levaram ditaduras asiáticas a: rejeitar o capital externo ou exercer alto controle sobre ele; priorizar a criação de competências, em vez de simplesmente transplantar setores; buscar novas tecnologias, em vez de apenas incorporar técnicas existentes; e expor as empresas locais à competição global, fixando metas de exportação em contrapartida aos benefícios concedidos.

A conquista de autonomia tecnológica e empresarial e a manutenção de um maior controle sobre a movimentação de capitais, juros e câmbio permitiram que os países asiáticos, com destaque para a Coreia do Sul, enfrentassem os choques dos juros e do petróleo, continuando a crescer desde a década de 1980. Hoje, países da região são líderes tecnológicos e econômicos mundiais.

Na AL, a reação liberal à crise da ISI levou à desindustrialização, embora o México tenha encontrado nas "maquiladoras" uma radicalização da industrialização dependente e o Brasil resista como exceção parcial.

Diante desse alento, o caminho é o do aprendizado, sem amaldiçoar ou defender acriticamente a ISI. Claro, não é possível replicar experiências datadas. Além disso, é desejável que o desenvolvimento seja puxado pelo mercado interno. Mas é preciso, entre outras coisas, que uma política industrial exponha as empresas brasileiras ao mercado global e que o ambiente macroeconômico favoreça tal esforço.

Nas próximas semanas, tratarei de experiências de países abordados no livro.


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