Folha de S. Paulo


O leitor tem sempre razão?

Não. Felizmente, nem sempre o leitor tem razão. Se tivesse, o jornal seria muito pior do que realmente é. Um dos trabalhos mais difíceis do ombudsman é convencer o queixoso de que a Folha não conspira contra ele. Muito menos na seção que lhe é dedicada: o Painel do Leitor.

O conflito de interesses é insolúvel. De um lado, o interesse particular, do leitor que dispôs de seu tempo para escrever o que julgou imprescindível levar a conhecimento do público. De outro, o do próprio público, pelo qual deve zelar o editor, publicando as cartas mais relevantes.

Sempre repito que o trabalho de editar não é escolher o que sai no jornal, mas o que vai ficar fora dele. No caso do Painel do Leitor, aquelas duas colunas no lado direito da pág. 1-3, cerca de 4/5 das cartas serão desprezadas, necessariamente, por causa da limitação do espaço.

Os leitores-missivistas preteridos, inconformados com a decisão, recorrem com frequência ao questionamento dos critérios. Argumentam que só são publicadas cartas de figurões ou com elogios ao jornal. Estão redondamente enganados.

Tomei este mês de novembro para um rápido levantamento. Saíram até a sexta-feira, na pág. 1-3 (edição São Paulo/DF), 271 cartas.

O maior contingente (143, ou 52,8%) foi de textos neutros, no que respeita ao jornal. O menor (30 cartas, ou 11,1%), justamente de elogios à Folha, em especial editoriais e colunas de opinião. Contra o jornal, inclusive Painel do Leitor e ombudsman, mais que o dobro: 67 (24,7%).

Direito de resposta

Faltam 31 missivas nessa conta, a grande pedra no sapato dos leitores que se queixam. São só 11,4%, mas como chamam a atenção.

Trata-se de esclarecimentos ou reparos a textos publicados na Folha, enviados pelos próprios atingidos ou seus representantes, como advogados e assessores de imprensa. Na Folha, o Painel do Leitor é o local designado para que exerçam seu direito de resposta.

São ministros, deputados, governadores, todos alvos frequentes de investigações. Mas também há professores, industriais, cientistas, dramaturgos. Nem todos se encaixam na rubrica ''figurão''.

Nesses casos, não se aplica a regra jacobina do máximo de 15 linhas, que vale para todas as outras cartas. Faz sentido. A pessoa ofendida ou prejudicada tem o direito de argumentar mais longamente, ainda que nos limites da seção.

O que os preteridos contra-argumentam é que essas cartas-tratados tomam espaço do leitor ''comum'', que não se manifesta porque foi atingido pessoalmente, mas como cidadão _leitor, enfim. Acham que as cartas de resposta deveriam sair à parte, noutra seção, para que o Painel do Leitor seja de fato deles.

Neste caso, só posso lhes dar razão. Mas é preciso também esclarecer que essa é uma causa perdida, porque sucessivas consultas do ombudsman sempre esbarram na mesma posição da Direção de Redação: os que se queixam, figurões ou não, também são leitores.

Big azar

Se há um leitor que tem muita razão para reclamar é o de fora da Grande São Paulo. Ele recebe a assim chamada edição nacional da Folha, que é concluída pelo menos duas horas mais cedo do que a São Paulo/DF. Até anteontem, 27 deles tinham ligado ou escrito para fazer um mesmo protesto, contra a promoção Big Sorte

Big Folha

O concurso, com sorteio de dez carros entre leitores que enviarem cupons preenchidos, foi idealizado para promover a leitura dos cadernos classificados. Ocorre que tais cadernos só saem na edição São Paulo/DF. Como os cupons são publicados junto dos classificados, na prática só os leitores da Grande São Paulo teriam como concorrer.

Por que então se queixam os leitores do interior e de outras Estados? Porque ficaram sabendo da promoção, mas se viram impedidos de participar, pela falta de cupons. É constrangedor constatar que ficaram sabendo pelas páginas da própria Folha, que publicou na edição nacional mais de um anúncio alardeando tanto a promoção quanto seu regulamento.

É uma das piores coisas que a Folha poderia fazer com esse contingente de leitores fiéis, que pagam caro para ter um jornal de qualidade, embora quase nunca traga notícias de suas cidades. Afinal, eles já estão suficientemente irritados por não receber os classificados, a Revista da Folha, o Acontece, os 75% de páginas coloridas da edição São Paulo/DF.

''Discriminação'' e ''eu pago o mesmo preço do jornal de São Paulo'' é o que o ombudsman mais ouve desses leitores. O concurso Big Sorte, para eles, foi só mais uma forma de desconsideração.

Normalmente não entraria nessa seara, que não é a do ombudsman (jornalismo). Como ameaça diretamente o maior patrimônio do jornal, credibilidade, torna-se uma obrigação fazê-lo. Para leitores e assinantes, a Folha é a Folha, não uma quimera com alma de redação e aparência de marketing, ou vice-versa.

*

A sucessão de erros foi reconhecida num honesto anúncio-errata publicado anteontem, cujo texto reproduzo:

''Big Sorte Big Folha é uma Campanha Promocional idealizada para divulgação específica na região da Grande São Paulo. Infelizmente, foram constatados os seguintes erros na divulgação:

  • 9/11 - No anúncio não constava a informação 'Promoção válida para os cadernos de Classificados da Folha de S.Paulo que circulam na Grande São Paulo'.
  • 24/11 - O anúncio de capa do jornal foi publicado indevidamente na edição nacional.
  • 25/11 - O anúncio com o regulamento da promoção foi publicado indevidamente na edição nacional.
  • 26/11 - No anúncio publicado na pág. 14 do caderno 5 dos classificados, consta indevidamente que serão sorteados '10' Big Mitsubishi Eclipse, e o correto é '1' Big Mitsubishi Eclipse.''

*Perspectivas *

Nem tudo, porém, são más notícias. A edição nacional ganhará em breve um número crescente de páginas coloridas, agora que foi completada a montagem das quatro rotativas do Centro Tecnológico Gráfico-Folha.

Os cadernos regionais que sobrevivem foram incorporados já ao projeto gráfico introduzido em março. Outras novidades poderão surgir, ao longo de 1997. Dias melhores virão. Publicidade Pitta/Maluf

Como qualquer idiota poderia imaginar, quem ganhou a licitação para ficar com a conta de publicidade da Prefeitura de São Paulo foram Duda Mendonça e Nelson Biondi. Os autores da bem-sucedida campanha de Celso Pitta terão até cinco anos, um a mais que o mandato do eleito, para administrar uma conta de R$ 28 milhões. Por ano.

Apesar de previsível, é uma senhora notícia. A não ser, é claro, que se considere normal tanta promiscuidade entre coisa pública (o dinheiro do contribuinte torrado na propaganda da prefeitura) e privada (os interesses eleitorais de Maluf).

O único jornal a dar destaque na capa foi o ''Jornal da Tarde'', com sua manchete de quinta-feira: ''SP vai pagar R$ 140 mi a gurus de Maluf''.

A Folha não deu naquele dia uma linha sobre essa vitória inequívoca da publicidade de resultados. No dia seguinte, sexta, pôs o assunto no jornal. Melhor seria dizer que o escondeu, numa notinha de exatas nove linhas, abaixo da dobra de uma página par do terceiro caderno.

Nada comparável ao barulho que se fez sobre os gastos da então prefeita Luiza Erundina com publicidade, quatro anos atrás. Seria interessante, aliás, que a Folha aproveitasse esse gancho para fazer uma comparação final entre as duas administrações, nessa matéria, agora que a de Paulo Maluf se encerra.


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