Folha de S. Paulo


Um furo é um furo

A Folha teve um desempenho jornalístico misto, nesta semana de eleição. Por um lado, passou longe da principal notícia (a operação financeira autorizada pelo malufista Celso Pitta, supostamente lesiva aos cofres públicos). Por outro, o material que vem publicando no caderno Eleições 96 é claramente superior à cobertura de seus concorrentes paulistas, em quantidade e qualidade.

O suculento caderno especial que o jornal publica desde quarta-feira é produto de uma grande qualidade da Folha: planejamento. Faz parte de sua cultura editorial arquitetar esses suplementos muito antes dos fatos de agenda, como eleições, Copa do Mundo etc. Nesse exercício de frieza e sofisticação, o jornal continua imbatível (embora os concorrentes já tenham aprendido muito).

Um furo continua sendo um furo, no entanto. No curto prazo, faz mais pelo prestígio de um jornal do que dez cadernos especiais. No caso do pleito em São Paulo, foi dado pelo ''Jornal da Tarde'' no dia 28, não pela Folha.

Furos, ou reportagens exclusivas obtidas por um único órgão de imprensa, decorrem de outro tipo de competência. Para dar furos, um jornal precisa estar muito bem informado, dispor de repórteres com tempo, preparo e persistência para pesquisar e ''trabalhar'' uma fonte. Sorte também ajuda.

Desta vez, foi o ''JT'' que comprovou essas qualidades. Em termos de impacto, nenhum dos furos da Folha ao longo da campanha como os flagrantes de utilização eleitoral do PAS e do Cingapura é comparável ao caso da operação de compra e venda de letras do Tesouro Municipal.

Timidez e oportunismo

A repercussão alcançada pelo chamado caso Pitta decorreu em grande parte do momento em que veio à tona. Sem querer tirar mérito do trabalho do repórter Rogério Pacheco Jordão, é evidente que sua divulgação no fim-de-semana imediatamente anterior ao último debate pela TV veio bem a calhar para seus adversários. Sobretudo para o tucano José Serra.

Com base na pergunta automática (''a quem interessa?''), muito se especulou esta semana sobre a origem do furo. O principal suspeito foi o Banco Central, controlado pelos tucanos e alvo de críticas frequentes do prefeito Paulo Maluf. Especulações à parte, provocou surpresa a atitude do BC de confirmar que havia uma investigação em curso, contrariando a habitual regra do sigilo.

Não cabe aqui julgar o comportamento do BC, mas parece claro que sua diretoria vai confirmando uma variante da famosa Lei Ricupero: para os amigos, sigilo; para os inimigos, a ''verdade'', ou sua revelação em doses calculadas, ou ainda a simples ameaça de torná-la pública. Lembre-se do caso Gilberto Miranda.

Nesse jogo pesado, a imprensa funciona como leva-e-traz. Cada jornal ou revista deita e rola quando é escolhido como mensageiro. Os outros enfiam a viola no saco, fazem de tudo para diminuir o caso, temerosos de aumentar ainda mais o prestígio do concorrente ''responsável'' pelo furo.

A Folha foi tímida, para dizer o mínimo, na cobertura do caso. Não poderia ignorá-lo, por certo, e o noticiou, mas com frieza e discrição. Deve ter enfrentado dificuldades para confirmar a denúncia, uma vez que chegou atrasado a ela.

De qualquer forma, poderia ao menos ter contribuído mais para explicar a transação, para lá de complicada. A resposta dos malufistas, por seu lado, mais confundia do que esclarecia o leigo. O didatismo compulsivo da Folha resumiu-se a um único texto, não muito bem-sucedido.

O máximo de crítica que o jornal se permitiu materializou-se na forma vicária, delegada, de um extrato na Primeira Página da coluna de Janio de Freitas, quarta-feira (''Envolvimento do BC deve ser investigado''). Não bastava, assinalei na minha crítica interna daquele dia, mas ficou nisso.

Outra evidência desse comportamento de avestruz foi que o jornal não publicou editorial algum sobre o tema. Seria de todo coerente com seu compromisso de independência e apartidarismo cobrar explicações do candidato Pitta, de um lado, e desancar o BC, de outro, pelo oportunismo partidário.

Opinião esclarecida

O mais intrigante nisso tudo é que a tal bomba contra Pitta parece não ter surtido efeito. Há quem diga até que beneficiou o candidato-sombra do prefeito Maluf. O desconhecido que tinha meros 11% nas pesquisas de intenção de voto, há menos de quatro meses, quase levou a eleição no primeiro turno, mesmo alvejado de todos os lados.

Nenhum jornal foi capaz de prever nem de explicar essa subida final de Pitta, assim como não foram capazes de prever nem de explicar de modo convincente sua ascensão geral. As explicações de fundo mágico-culinário, do tipo ''quanto mais bate, mais cresce'', só satisfazem aqueles que têm fé arraigada na irracionalidade da política.

Não é esse, não deve ser, o caso da Folha, que sempre professou outra fé, no esclarecimento da opinião pública. Ela ainda tem muito o que explicar, desvendar, interpretar e criticar sobre estas eleições. Sem poupar Pitta nem Erundina. É o que leitores e eleitores esperam dela, nesse mês e meio que os separa do segundo turno.


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