Folha de S. Paulo


Ainda não foi desta vez

Esta deveria ser minha última coluna, pois anteontem se encerrou meu segundo mandato, mas quis a fatalidade que não. O novo ombudsman, Mario Vitor Santos, caiu de cama com hepatite. Leitores e a Redação vão ter de me tolerar por mais umas três semanas, pelo menos.

Apartidarismo

Para os leitores que procuraram o ombudsman em setembro, a Folha é antimalufista (foram nove as manifestações sobre isso). Há um mês, no entanto, quem ligava ou escrevia sustentava o oposto, que o jornal estava trabalhando a favor do candidato da situação à Prefeitura de São Paulo, Celso Pitta (seis pessoas disseram isso).

A contradição é só aparente e mostra que o leitor é mais atento do que muita gente pensa. Não sou daqueles que acreditam que o jornal tem um candidato do coração e trabalha com dissimulação cerebral para elegê-lo, mas o fato é que a atitude do jornal mudou.

Nas últimas quatro semanas, multiplicaram-se em suas páginas reportagens críticas e investigativas contra as hostes do prefeito. Do uso de comitês eleitorais para vender as ilusões concretas do PAS e do Cingapura aos custos faraônicos das obras viárias, o jornal parecia ter descoberto subitamente que a candidatura malufiana era vulnerável.

Alguns leitores tiraram rápido a conclusão: a Folha apóia Serra. Essa suspeita foi reforçada pela predominância em seções de prestígio como "Tendências/Debates" de artigos de opinião escritos por intelectuais e políticos tucanos, a favor de Serra e/ou contra Maluf.

Manter o apartidarismo sempre foi compromisso público do jornal e, internamente, verdadeira mania. Tanto é que ele contrata o Datafolha para computar o espaço dedicado a cada candidato, separando os textos medidos como negativos, favoráveis ou neutros. Mais ainda, a Folha publica esses dados.

O levantamento está sendo feito mais uma vez, nesta eleição. O diretor de Redação, Otavio Frias Filho, informou que deverá ser publicado logo após o primeiro turno. Quem lê cotidianamente a Folha, no entanto, já intui que as reportagens negativas para Pitta ou Maluf estarão à frente.

No pé de Maluf

Aos leitores que se queixam ao ombudsman, costumo dizer que o problema não está em "pegar no pé" de Maluf, mas em não fazer o mesmo, com a mesma disposição, contra outros candidatos. Há no entanto pelo menos três explicações para que isso não aconteça.

A primeira é que Maluf, e não Erundina ou Serra, está na prefeitura. É esta administração que se encontra sob exame, na eleição.

Em segundo lugar, não se pode excluir a hipótese de que ela seja objetivamente mais vulnerável do que a de Erundina, na prefeitura, ou a de Serra, no Ministério do Planejamento. Ou que sua campanha eleitoral mobilize em maior quantidade métodos políticos condenáveis, aos olhos da opinião pública.

Por fim, Maluf carrega o ônus de ter ditado o tom da campanha. Só se falou em Cingapura, PAS e, para seu azar, em "Fura-Fila". É evidente que todos, adversários e jornalistas, iriam passar-lhes o pente-fino.

Denúncias tardias

A crítica que deve ser feita à Folha é outra _ela demorou demais para investigar a gestão de Maluf. Como o próprio prefeito se queixou na edição de terça-feira, está há três anos e meio no cargo, e os jornais não publicaram nesse período nem uma fração das denúncias das últimas semanas.

A conclusão automática para muitos é de que isso só ocorreu porque a Folha se bandeou para Serra. Mesmo supondo que o jornal se prestasse a esse jogo tão arriscado para sua credibilidade, ficaria difícil de explicar algumas reportagens recentes, como o levantamento dos custos e da quase inviabilidade de construir tantos quilômetros de metrô quanto Serra vem prometendo na TV.

Minha hipótese é outra: ação e reação. O jornal começou a investigar Maluf com mais afinco porque se cristalizava a noção de que o protegia. Entre outras razões, por não conseguir apresentar um noticiário mais crítico e conclusivo sobre a grande polêmica do PAS, no primeiro semestre.

Antes tarde do que nunca, costumo dizer para os leitores. As denúncias e os detalhes publicados na imprensa contribuíram para desfazer em parte as mistificações televisivas. O debate ganhou carne e osso. Algumas propostas concretas foram efetivamente discutidas.

Voto eletrônico

Uma das coisas mais positivas que a cidade teve nos últimos anos, por exemplo, foi o debate sobre transportes públicos, a partir dos episódios rodízio de carros e "Fura-Fila". A imprensa só acordou, no entanto, quando um tucano verde e um feiticeiro publicitário puseram os bodes na sala.

Algo de semelhante está acontecendo com o problema do voto eletrônico. Só a dez dias da eleição se tornou tema de debate público aquilo de que todos já desconfiavam: "47% erram no voto em urna eletrônica", foi a manchete da Folha de segunda-feira passada. Aí começou o corre-corre da Justiça Eleitoral, e apareceram idéias de última hora, como levar as urnas informatizadas para programas populares de TV.

A votação de quinta-feira mostrará se houve improvisação nessa matéria tão grave, da parte das autoridades, e negligência, da parte da imprensa. Torço para que não seja o caso.

Sem querer ser desmancha-prazeres, creio que o mesmo raciocínio demora dos órgãos de comunicação para influir nas questões relevantes se aplica a duas iniciativas recentes da Folha (que em verdade mereceriam antes aplausos que críticas): a seção "Opção de voto", com entrevistas de candidatos a vereador na cidade de São Paulo, e o caderno "Olho na Câmara", publicado na edição de anteontem. É como se, para o jornal e a sociedade, a Câmara só existisse por causa da eleição, e não vice-versa.

A lição a tirar da cobertura destas eleições é que os jornais podem muito bem, se se esforçarem, contribuir mais precocemente permanentemente, seria o ideal para fazer avançar o debate público neste país. Esta, no final das contas, é a sua missão. Se os jornais a esquecerem, estarão se reduzindo a um negócio como outro qualquer.


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