Cinco semanas afastado do acompanhamento diário dos jornais provocam um choque, na volta das férias. Eles são espantosamente superficiais. Isso fica evidente em relação às eleições municipais: a menos de oito semanas do certame, quase nada se sabe ou se discute de substancial sobre o destino das inabitáveis metrópoles brasileiras.
Escrevi ''certame'', e não ''pleito'', porque a julgar pela imprensa se trata de um concurso, não de expressão da vontade geral pelo voto. Fulano está na frente, sicrana tem alto índice de rejeição, x respondeu ontem na TV ao que y disse anteontem na TV, a mulher de beltrano é a mais prendada etc. Colunistas deblateram, graves, contra o predomínio do marketing, mas nada muda.
Mesmo as propostas e realizações contam como produtos, valem seu peso em eficácia comunicativa e não pela melhora real e durável na qualidade de vida da população que ensejem. Já se foi o tempo em que jornais e revistas combatiam essa tendência para a transformação de eleições exclusivamente em espetáculo (algo que elas também são, não há como negar). Hoje eles se assemelham mais a uma peça importante dessa engrenagem.
Em outras palavras, são veículos de mistificação política e não de esclarecimento. Sim, esclarecimento, o velho ideal do Iluminismo. Reconhecer suas vicissitudes nos tempos de hoje não autoriza jornalistas a abrir mão dessa idéia reguladora. Jornais são inúteis sem ela.
PAS e Cingapura
Em São Paulo, pelo menos, o jornalismo parece ter renunciado a influenciar a agenda eleitoral, anexando-lhe temas reais de política urbana. Recebeu e parece contentar-se com o prato feito cozinhado pelo prefeito Paulo Maluf: PAS e Cingapura. Tudo nessa campanha para as retinas gira em torno desses ovos de Colombo sociais. É pobreza demais.
Por cálculo mais publicitário do que político, mesmo quem é contra as criaturas malufianas não as critica frontalmente, diz que vai melhorá-las. Até o PT tem seu Cingapura, na proposta de renda mínima. Todos são a favor.
Pelo visto, é a essa modorra insuportável que se resume a tão propalada morte das ideologias. Não é certamente original falar da geléia geral em que se transformou a eleição paulistana, mas essa constatação sempre é feita em tom fatalista, conformado.
Como se a responsabilidade por esse estado de coisas fosse só dos candidatos e suas maravilhosas máquinas publicitárias.
Menos um ombudsman
O ombudsmanato de imprensa no Brasil acaba de ter uma de suas poucas vagas fechada. Foi na ''Folha da Tarde'', diário editado pelo mesmo grupo da Folha. Encerrado o mandato de meu vizinho Antenor Braido, a vaga não será preenchida, conforme foi anunciado na edição da ''FT'' do último dia 29.
Depois de cinco anos, interrompe-se assim a experiência na ''FT'', mesmo tendo sido considerada ''muito positiva'' pela direção do jornal (a razão apresentada pela empresa foi a mesma de alguns jornais dos Estados Unidos, onde a função é bem mais difundida: contenção de despesas). Na Folha, que introduziu a figura do ombudsman no Brasil, ela continua.
Na roda
Ao menos em São Paulo, todos parecem ainda atordoados com o misto de sucesso e fracasso do rodízio de carros. Num dos maiores experimentos urbanos do mundo, o poder público conseguiu tirar das ruas cinco ou seis centenas de milhares de carros (20% da frota), a cada dia. Mas foi também a semana mais poluída do ano.
Há muita coisa por explicar, é evidente. Não tanto sobre a adesão à medida, obtida com o tacão das multas (outro legado malufiano), mas no resultado paradoxal. Os jornais mal começaram a fazê-lo, despreparados que estavam para algo diverso do mecanicismo clássico da causa e do efeito (tiram-se os carros, diminui a poluição).
A química da atmosfera urbana é infernalmente complexa. O governo estadual tucano deu sua contribuição para complicar ainda mais as equações, deixando de fora do rodízio caminhões e ônibus, geralmente movidos a diesel. Ninguém sabe avaliar quanto aumentou o número de viagens por carro. É uma senhora confusão. O único consenso é que o trânsito melhorou (o que já não é pouco).
Até que a imprensa consiga auxílio técnico para descobrir o caminho físico-químico das pedras, prevalecerá a explicação oficial de que condições meteorológicas adversas (falta de ventos e de chuvas) respondem sozinhas pela piora da poluição. Pode até ser. Mas é dos jornais e dos cientistas que os aflitos leitores paulistanos querem ouvir essa conclusão.