Folha de S. Paulo


Subindo o Serra

A campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo já está nas ruas e nos jornais. O fato novo das últimas semanas foi a tardia definição do candidato tucano José Serra. Como era de esperar, foi o que mais apareceu nas páginas dos diários. Está na hora de o leitor começar a conferir se ele ou qualquer outro_ não está aparecendo demais.

Em alguma situações, o tucano pode até aparecer de menos. Foi o que aconteceu na Folha de quarta-feira passada.

A passagem do bastão de ministro do Planejamento para Antonio Kandir transformou-se num comício de Serra, em que o presidente da República fez as vezes de cabo eleitoral. O evento foi descrito como tal na capa dos jornais do Rio, ''O Globo'' e ''Jornal do Brasil''. Na pág. 1-6 da Folha, a mesma interpretação: ''Posse de Kandir vira palanque de Serra''.

A conversa da primeira página era bem outra. Na sua vitrine, o jornal escolheu destacar uma passagem do discurso de Fernando Henrique Cardoso: ''FHC diz que é preciso introjetar Deus''. Palavras sem dúvida expressivas, mas laterais.

É uma velha mania da Folha, pôr a informação anedótica no lugar da informação relevante. Que chama a atenção, lá isso chama.

Esquizofrenia

Admita-se, para efeito de raciocínio, que essa ordem de prioridades chamar a atenção, depois informar seja legítima. Ainda assim, a Primeira Página deveria ter pelo menos algum eco do tom crítico do título interno. Uma frase que fosse, sobre o caráter eleitoral da cena no Palácio do Planalto. Nada.

É por essas e por outras que a Folha tem fama de ser um jornal esquizofrênico. A comparação no sentido inverso, capa-miolo, reforça a hipótese. A passagem sobre a introjeção de Deus, tão fundamental que ganhou quatro colunas na capa, é quase invisível na pág. 1-6. Não foi destacada em nenhum título ou sobretítulo.

Pode ter sido mera descoordenação entre os editores da Primeira e do caderno Brasil, algo mais frequente do que se imagina. Alguns leitores entenderão, porém, que foi uma maneira de proteger Serra (o que seria pouco inteligente, porque o titulão interno não deixa dúvidas sobre a disposição do jornal para criticá-lo).

Não foi a única vez que o candidato tucano esteve em evidência no jornal, esta semana. Na terça-feira, ele tinha sido agraciado com mais de meia página de entrevista ''pingue-pongue'' (perguntas e respostas).
Questões incisivas, ainda que por demais concentradas em temas macroeconômicos (desemprego, Proer, privatização), e muitas respostas evasivas.

Foram 107 cm de texto, contra 36 cm do último pingue-pongue com Luiza Erundina, publicado em 22 de abril, e 33 cm para Francisco Rossi (mesma data).

Acordos não-publicáveis

Na segunda-feira, o alto-falante tinha sido posto nas mãos da velha guarda tucana. O deputado Franco Montoro teve os dois terços de página da Entrevista da 2ª para explicar como tinha convencido Serra a largar o osso duro de roer do Planejamento. Pontificou também sobre por que ele (Montoro) considerava que o acordo PFL-PPB em São Paulo não era ''publicável''.

Não bastasse isso, Montoro ainda ganhou quase um quarto do Painel do Leitor (seção de cartas) para desfiar o rol de qualidades do seu ungido. Numa mesma edição, e apenas duas páginas antes da entrevista, era demais, como anotei na crítica interna.

Faço estas constatações para mostrar que as opções editoriais eram questionáveis já do ponto de vista jornalístico. Seria prematuro afirmar que a onipresença de Serra representa um viés a seu favor. É inegável que foi no seu quintal que se produziram as notícias da semana.

Por outro lado, também é fato que os dois primeiros colocados nas últimas pesquisas de intenção de voto do Datafolha, Luiza Erundina e Francisco Rossi, andam desaparecidos dos jornais (uma exceção foi a entrevista de página inteira que ''O Estado de S.Paulo'' dedicou a Rossi na sexta-feira).

Corrida de cavalos

Rossi e Erundina devem estar na muda, esperando a poeira baixar, ou a próxima pesquisa Datafolha. Quando esta sair, vão fazer de tudo para ocupar espaço, na Folha e em outros jornais, proporcional a seu peso político-eleitoral aferido nesses simulacros estatísticos da vontade geral.

Com toda a razão. Afinal, foram os próprios jornais que inventaram de transformar campanhas eleitorais em corridas de cavalos (quem está na frente de quem). E a cavalo pesquisado, como se sabe, não se olham dos dentes.


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