Folha de S. Paulo


Chapas brancas e chapas negras

Otimismo e pessimismo são muito relativos, ainda mais num ano eleitoral. O governo federal abandonou o refrão da estabilidade ameaçada pela falta de reformas e agora bate mais na tecla da retomada econômica, sem soar tão ridículo quanto há seis meses. A greve, se era para ser geral, fracassou. Até os economistas concordam em que o segundo semestre será de alívio.

Sem dúvida está diminuindo a oferta de negativismo na praça. Meios de comunicação e jornalistas, desorientados nesse lusco-fusco, só têm olhos para si mesmos. Batem boca, acusando-se mutuamente por excesso de otimismo ("chapas brancas") ou de pessimismo ("chapas negras").

A temperatura aumenta, surgem cortinas de fumaça, ninguém enxerga nada com clareza. Não se sabe se os sinais de reaquecimento resultam de liberalidade eleitoral do governo FHC ou de processo mais profundo de ajuste da economia, início de um ciclo auto-sustentável. A imprensa não informa, ocupada com o cordão umbilical que a liga à placenta do Planalto. Para o bem ou para o mal.

A Folha, por exemplo, foi acusada no programa "Bom Dia Brasil", da Rede Globo, esta semana, de ser cronicamente pessimista. Motivos: o tom negativista da notícia de terça-feira sobre estudo da ONU avaliando desenvolvimento humano no Brasil e da manchete do mesmo dia, "Cesta básica bate recorde no Real". Um dos expletivos empregados foi "espírito de porco".

O jornal retrucou com notas na seção Painel de quinta-feira. Disse que a Globo e o governo continuavam "afinadíssimos", pois o ministro Clóvis Carvalho (Gabinete Civil) fizera críticas no mesmo tom. É difícil dizer quem tem menos razão.

Copo vazio, copo cheio

Governismo e otimismo não rimam com jornalismo. Não se questiona o direito da Globo de privilegiar aspectos positivos da economia sob FHC, como faz também "O Estado de S.Paulo". A própria Folha não esteve longe disso, na fase política e economicamente mais rentável do Real, ainda que com maior propensão a pegar no pé dos tucanos (mais no acessório que no essencial, já escrevi).

Noves fora, ainda é melhor para a opinião pública ter jornais mais empenhados em revelar do que em relevar. Se não houvesse outra saída, só arengar que o copo está meio cheio (chapas brancas) ou meio vazio (chapas negras), seria preferível ter jornais repetindo a ladainha do copo vazio, para contrabalançar a reza brava do governo.

O caso é que há uma alternativa, muito negligenciada pela imprensa nacional: medir, efetivamente, quanto há de líquido no copo do Brasil. Não é fácil. A tarefa costuma fracassar já na calibragem dos instrumentos.
A Folha, por exemplo. Não foi só o "Bom Dia Brasil" que criticou aquela manchete de terça-feira sobre a cesta básica. Seu ombudsman também o fez, na crítica interna da edição, sem saber ainda do patrulhamento global:

"Manchete da Folha é um exagero (...). Tecnicamente correta, mas jornalisticamente superdimensionada, na linha do pessimismo. Basta comparar o aumento de 5,42% com a inflação algo básico, que o jornal deixou de fazer para constatar que o saldo é favorável mesmo para os pobres.

"Essa opção preferencial pelo pessimismo pode até ser a correta, mas deve apoiar-se em fatos. Ficou ainda mais acentuada com a manchete do 'Estado': 'Mais setores aceleram crescimento'.

"Brasil pior X 3 "brasis"

No caso do estudo da ONU, a própria Folha parece ter-se arrependido do enfoque inicial. Pelo menos, alterou-o drasticamente entre a edição Nacional concluída às 20h30 e a São Paulo/DF (22h).

No primeiro caso, trata-se de exemplares enviados para fora da capital (inclusive ao Rio, sede da Globo). O título da pág. 1-6 era bem negativo, como de hábito quando se noticiam relatórios internacionais: "Situação do Brasil piorou, aponta ONU".

A mesma pág. 1-6, hora e meia depois, era mais neutra, descritiva. E também mais iluminadora: "ONU revela a existência de três 'brasis'". O texto foi reescrito, da cabeça ao pé. Ganharam destaque as informações realmente inovadoras sobre a paisagem socioeconômica do país. Para encurtar: a Globo atirou no que viu e acertou no que não viu.

A Folha se discute e se corrige, com rapidez desconcertante. Pode-se acusar seu pessimismo de errático, volúvel, ciclotímico até, mas não de obeso. Monolitismo, governista ou otimista, descreve melhor seus concorrentes.


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