Folha de S. Paulo


Legislando com o fígado

Encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados um projeto de Lei de Imprensa que saiu pior do que o soneto. Seus maiores defeitos são limites astronômicos para indenizações por ofensa e a ressurreição das penas de prisão para jornalistas. Com estas características, jamais favoreceria uma prática jornalística mais responsável, a única coisa que interessa ao público.

Não é segredo para ninguém que parlamentares endureceram o texto em represália contra denúncias de fisiologismo nas votações da Previdência e da CPI dos Bancos. Os jornais não se cansam de bater nessa tecla. O limite para indenização de 10% do faturamento anual da empresa é mesmo uma exorbitância. Bastaria a condenação por esse valor em um único processo para liquidar qualquer órgão de comunicação. Seu objetivo manifesto é domesticar o jornalismo investigativo, não ressarcir proporcionalmente o ofendido.

Por outro lado, o limite proposto pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), de R$ 100 mil, pode mostrar-se irrelevante para algumas megaorganizações. Ou seja, perderia seu papel inibidor da negligência e da irresponsabilidade.

Onde fixar a fronteira do razoável?

Questão de proporção

Não é a mesma coisa xingar alguém na rua e nas páginas de um jornal. A diferença está no efeito multiplicador da imprensa. Assim, soa aceitável uma lei para disciplinar especificamente esse meio, capaz de provocar tanto dano.

Em 10 de setembro do ano passado, defendi aqui que a indenização seja proporcional à tiragem ou audiência do veículo ofensor. Poderia ser uma fração do preço de capa multiplicada pela tiragem, mas o critério não serviria para emissoras de rádio e TV.

Ocorreu-me há poucas semanas, durante debate sobre o tema promovido pelo jornal ''O Povo'' (Fortaleza-CE), que a base de cálculo poderia ser a própria tabela de publicidade do veículo. Por que não dar ao ofendido a mesma quantia que teria de desembolsar caso decidisse defender-se com um anúncio no mesmo espaço?

Negligência e dolo

Contra a pena de privação de liberdade, o melhor argumento está em que raramente é aplicada. Ou seja, os juízes reconhecem na prática o caráter excessivo dessa punição para os chamados delitos de opinião. Como ombudsman, posso testemunhar que a fonte da maior parte dos erros jornalísticos é negligência ou ignorância, não a intenção de ofender.

Já se tornou lugar-comum, porém, denunciar o ''denuncismo'' da imprensa. É um tema recorrente na opinião pública, ainda que muitas vezes ressurja com a pior das intenções: questionar a ''impunidade'' da imprensa para garantir a própria.

De qualquer modo, a sociedade parece desejar alguma consequência para jornalistas que abusem da liberdade de informar que lhes delega. Mas não foi ainda dessa vez que se mostrou capaz por intermédio de seus representantes de encontrar um meio-termo entre a inoperância do autoritarismo anterior e a mordaça pecuniária desenhada por quem não suporta a luz do dia.

Sua Vez

Com a reforma gráfica inaugurada em 3 de março, a Folha criou um caderno novo para a versão Nacional da edição de domingo. Batizado de Sua Vez, o produto tinha a missão de levar reportagens de quatro cadernos de classificados dominicais (Veículos, Empregos, Imóveis e Tudo) aos leitores de fora de São Paulo, já que não recebiam os dois últimos.

Em lugar de elogios, o que estou ouvindo são muitas queixas. Os 35 leitores do interior e de outros Estados que ligaram ou escreveram entendem não que ganharam reportagens, mas sim que perderam os anúncios classificados de Veículos e Empregos, que todos recebiam.

A direção da Folha defende Sua Vez como um aprofundamento da tendência para a segmentação do mercado. Em resposta ao ombudsman, o diretor-adjunto de Circulação, Matias Soares, afirmou:

''Assim como a Folha, os principais jornais do mundo acreditam que a regionalização da imprensa é o caminho para se prestar um melhor serviço, levando até o leitor mais informações sobre a área em que vive.
(...)

''Como em toda mudança, houve ganhos e perdas. Ganhos, porque o leitor passou a receber informações do caderno Tudo, que há tempo deixou de circular fora da cidade de São Paulo; Veículos passou a ter uma nova tabela de preços de carros, bem mais completa. Naturalmente houve uma diminuição nas ofertas de classificados, por serem estes direcionados, conforme exigência do mercado anunciante''.

105 vezes mais

''Diminuição'' é um eufemismo. Pelo menos por ora, o que se viu foi um virtual desaparecimento. Nas 18 páginas do ''Sua Vez'' da semana passada, encontrei 79 anúncios de empregos e 131 de imóveis, além de 4 de veículos (em formato grande, sendo três da mesma concessionária).

No mesmo dia, a capa da edição São Paulo anunciava ''22.056 ofertas em 72 páginas de classificados''. Dito de outro modo, 105 vezes mais que no singular Sua Vez.


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