Folha de S. Paulo


Efeito Brahma-Antarctica

Um comentário comum entre jornalistas, nos últimos tempos, é que os jornais diários estão muito parecidos.

Não concordo muito, mas as recentes reformas gráficas da Folha e do "Globo", aliadas à generalização do uso da cor, parecem contribuir para essa impressão.

É falso que esses dois jornais tenham hoje muito em comum, seja do ponto de vista gráfico ou jornalístico. A reforma do "Globo" afetou a própria edição, privilegiando textos mais longos e articulados. Uma boa notícia.
O mesmo não aconteceu na Folha, que permanece o mesmo diário, apesar das letras diferentes e das páginas coloridas.

É na praça de São Paulo que a aproximação se mostra mais visível e perigosa. Folha e "O Estado de S.Paulo" temem o chamado "efeito Brahma-Antarctica", ou seja, que consumidores passem a considerar indiferente comprar este ou aquele produto, em função de uma similaridade real ou imaginária pouco importa.

Na quinta-feira, leitores paulistas tiveram boa amostra dessa incômoda uniformidade. Reagindo de forma previsível a um assunto tão cacete quanto anticlimático, sapecaram na manchete: "FH faz reforma no Ministério". Toda a diferença se resumia ao "C" de Cardoso, que só a Folha usa. A indiferenciação não representa necessariamente prejuízo para o público. Em grande medida, resulta da adesão a regras centenárias de bom jornalismo, como independência, pluralismo e disposição investigativa. Começo a acreditar que os leitores devem temer é a tentativa de diferenciação a qualquer preço.

Expulsão sem diplomacia

Na Folha, isso tem algo a ver com outra discussão, bem mais importante, sobre a "desestatização" do noticiário. A idéia é torná-lo menos dependente das movimentações palacianas.

Anteontem, por exemplo, o jornal deu destaque no alto de sua primeira página à expulsão de um aluno por uma escola particular de São Paulo. O título era pretensioso: "Aluno expulso vira caso diplomático".

A reportagem ocupava toda a capa do caderno São Paulo/Cotidiano. Segundo a secretária de Redação Eleonora de Lucena, o objetivo ao privilegiar assunto tão paroquial foi o de levantar uma discussão sobre disciplina nas escolas. Nas suas palavras, "sair um pouco da linha oficial e, mesmo correndo risco de ter exagerado, trazer (para o jornal) casos do cotidiano dos nossos leitores".

Na minha avaliação, a reportagem não alcançou o objetivo, pois limitou-se ao bate-boca entre alunos, pais e administradores da escola. Incapaz de induzir discussão de fundo, o texto passou para leitores somente a impressão de arbitrariedade editorial.

"Máfia da Saúde"

Sensação semelhante deve ter causado nos leitores do "Jornal do Brasil" a manchete de quinta-feira: "Máfia da Saúde mata em Brasília". Afinal, naquele dia quase todos os jornais do Brasil davam destaque para a reforma ministerial.

Com esse título, o "JB" por certo conseguiu destacar-se nas bancas. Até onde pude verificar, nenhum dos três principais diários Folha, "Globo" e "Estado" publicou no mesmo dia a história do misterioso assassinato do empresário Alcides Peres. Foram 12 tiros em "um dos mais conhecidos fornecedores de remédios para o Ministério da Saúde", à luz do dia.

Não se trata somente de mais um caso policial. A investigação pode contribuir para desvendar algo do submundo brasiliense das licitações. Em poucas palavras, é notícia em estado puro. Não para a Folha. Tudo que o jornal apresentou sobre o caso a seus leitores, anteontem, foi um "colunão" (nota). Mesmo assim, só para os leitores de São Paulo. Tudo no microtexto era burocrático, a começar pelo título: "Polícia de Brasília investiga assassinato".

É um vício antigo do jornalismo, "derrubar" (menosprezar editorialmente) um tema apenas porque se trata de um "caso" de concorrente. O "JB" pode até ter errado na mão ao elegê-lo para manchete, mas bem mais grave é o pecado da Folha. Na gíria jornalística, isso se chama "brigar com a notícia".

É a pior maneira de diferenciar-se da concorrência.

O outro lado da moeda

Domingo passado, por outro lado, a Folha destacou-se na imprensa diária com um recurso de que há muito não lançava mão, o editorial de primeira página. Sob o título acima, prometeu uma série de reportagens sobre iniciativas exequíveis no campo social.

É o que o leitor mais espera de um jornal como a Folha: iniciativa. Não a crônica sonolenta das idas e vindas do Planalto, mas debate das grandes questões nacionais, como soluções para a miséria aceitável apenas para os ideólogos do Plano Real.

Isso sim é desestatização, e faz toda a diferença.


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