Folha de S. Paulo


Globalização e qualidade

A Folha lança mais uma edição histórica: a tiragem é enorme, a cor é total e o fascículo é bonito. Com a entrada em operação do Centro Tecnológico Gráfico-Folha, o jornal reage às incertezas do ramo em todo o mundo com coragem. Resta saber se esse investimento de US$ 120 milhões será suficiente para fazer dele não só o maior, mas o melhor do país.

Sem querer dar uma de desmancha-prazeres, chamo a atenção do leitor para o contraste entre esse show industrial e o débil desempenho jornalístico da Folha na semana. O sistema financeiro estremeceu na base com as revelações da revista ''Veja'' sobre fraudes no Banco Nacional, mas só anteontem o jornal conseguiu produzir manchete com um mínimo de vibração: ''Planalto abafa CPI dos bancos''. Furo, nenhum.

Poderia ser só coincidência. Ocorre que o retrospecto dos últimos meses não é favorável à Folha. Quem lê regularmente esta coluna sabe que, na minha avaliação, o conflito entre qualidade editorial e desempenho comercial vem se resolvendo em favor deste.

Nisso, não há inovação: pelo mundo todo jornais reagem aos tempos bicudos cortando mão-de-obra, matéria-prima da investigação, e papel (espaço para reportagens). Este insumo teve no caso da Folha uma alta de 136% reais em 18 meses (de julho de 1994 a dezembro de 1995). É cavalar.

Nos Estados Unidos, não se fala em outra coisa. Uma prestigiada publicação acadêmica sobre jornalismo, ''Nieman Reports'', da Universidade Harvard, dedica seu próximo número ao tema. O alvo é a tentativa meio kamikaze de manter as margens de lucro tradicionalmente superiores à média americana.

Esta coluna teve acesso aos dois artigos principais da ''Nieman Reports'', que só circulará no próximo domingo. Para seus autores, John Morton e Alex S. Jones, publishers e diretores estão ''comendo as sementes'' com a política do arrocho a qualquer preço, alienando seu futuro.

Cegueira

Jones afirma, na ''Nieman Reports'', que ''os líderes industriais parecem terrivelmente cegos para o fato de que uma cobertura noticiosa extensa e incrementada é a única coisa capaz de assegurar a sobrevivência a longo prazo''.

Seu raciocínio é mercadológico: os cortes radicais desaparelham o jornal para a concorrência futura. Não importa se esta virá de serviços informativos na Internet, novas formas de TV ou outros jornais dispostos a conviver com menores margens de lucro. Se conseguir manter-se como a mais confiável fonte de informação da praça, em qualquer suporte, o jornal não terá o que temer. Leitores e anunciantes são duas espécies para lá de conservadoras.

Embora pareça a saída mais racional à primeira vista, cortes não são necessariamente a coisa mais esperta, alerta Morton. Espertos foram Michael Bloomberg e Ted Turner, afirma Jones, pois souberam erguer seus impérios nos espaços deixados pelas empresas tradicionais (o serviço de informações econômicas Bloomberg News e a rede de TV por cabo CNN).

Jones faz um alerta aos donos de jornais: ''Eles precisam lutar e esfalfar-se pela notícia com a mesma energia insaciável com que espremem cada centavo de publicidade dos seus mercados''.

Na Folha

Nem todos esses aspectos se aplicam à Folha. As margens de lucro são mais baixas no Brasil, da ordem de 10%, nada comparável aos 23% alcançados em 1994 pela Gannett Co. Inc. O jornal está investindo no CTG-F o equivalente a um quarto de seu faturamento no ano passado, e isso beneficiará também o conteúdo (cor é informação, se bem utilizada).

O porte da operação contrasta porém com o investimento na Redação, nos dois últimos anos. Um programa de contenção de erros de português conseguiu baixá-los à metade, mas não os de informação. Criaram-se equipes móveis para produzir reportagens em equipe, como nas edições de domingo, sob a rubrica Tempo Real. Um prêmio interno tenta estimular a excelência.

O resultado, ao menos em termos de furos, não é notável. Seguramente está caindo o teor médio de inteligência e articulação dos textos. A pauta é errática, e bons assuntos sucumbem a uma edição acossada. Isso tudo tem algo a ver com o progressivo enxugamento da Redação, que conta hoje com 295 jornalistas.
Engana-se quem atribui os cortes à crise do papel: em meados de 1994, quando esta se fez sentir mais agudamente, eram só 11 a mais (306). A parte mais gorda foi decepada no final de 1991, quando o jornal ainda tinha 372 profissionais.
Nesse meio tempo, a operação de fechar (concluir) uma edição só se complicou. Etapas da montagem que eram realizadas por outros setores foram assimiladas por jornalistas. É simples como água: sobra menos tempo para pensar, criar, pesquisar e escrever. É nisso que a Folha deve pensar, agora que é o único jornal de grande circulação do mundo a ter cor em quase todas as páginas.

Os ombudsmans

Partindo do suposto que jornais com ombudsman dão atenção especial para a qualidade, fiz uma consulta rápida a colegas dentro e fora do Brasil. O objetivo era descobrir se as pressões do mercado afetavam o desempenho editorial de seus jornais.

Responderam as cinco perguntas cerca de 30% dos membros da Organização dos Ombdusmans de Imprensa _ONO, na sigla em inglês (dizem as más línguas que se pronuncia ''oh, no''). Uma súmula dos resultados pode ser vista no quadro acima.

De um modo geral, as respostas são tranquilizadoras. Em todas as redações o cutelo se fez sentir, mas não prejudicou o cerne do noticiário. Algumas poucas seções foram eliminadas, textos se tornaram mais curtos.

Em alguns casos, os cortes de pessoal alcançaram até 20% nos dois últimos anos. Um jornal eliminou a seção de gastronomia, outro encolheu os quadrinhos, outro ainda aumentou os preços em 43%. Também houve diminuição da área de circulação de suplementos. Isso gerou muitas reclamações aos ombdusmans, mas nada que assuste (há sempre alguma coisa dessas acontecendo num jornal _na Folha, todas ao mesmo tempo).

Afinal, jornais são seres vivos, racionais até _embora nem sempre sejam realmente espertos.


Endereço da página: