Folha de S. Paulo


Uma semana de cão

O escritório do ombudsman recebeu desde segunda-feira 278 manifestações sobre as mudanças gráficas e industriais na Folha e sobre o caos que provocaram na distribuição do jornal. Foram 56.800 as queixas recebidas em toda a empresa até anteontem. Uma avalancha proporcional à expectativa criada pelo lançamento da cor total.

É a ocasião propícia para predadores, mas terei de frustrar aqueles que entendem a função de ombudsman como inimigo do jornal. Ele é apenas um crítico, do qual se espera que seja rigoroso, não desleal. Reza a cartilha da objetividade que se ponha a emoção de lado. Nada melhor, assim, do que buscar amparo na aridez dos números.

O maior problema, de longe, foi com atraso e não-recebimento dos jornais por assinantes, ou de exemplares incompletos. Dos que não conseguiram falar com o serviço de atendimento (SAA), por causa do congestionamento das linhas, 218 ligaram para o ombudsman. Em cinco dias, foram tantas queixas sobre assinaturas quanto nos meses de dezembro e janeiro.

O tipo de falha do último domingo erode o patrimônio maior de um órgão de imprensa: confiança. Nessas horas, não dá para separar o que é editorial do que é industrial. Ou a informação chega ao leitor, ou não chega. Muitos assinantes se declararam perturbados, antes de mais nada, com o fato de não faltarem exemplares completos da Folha nas bancas. Ciente dessa interrogação na cabeça de seus clientes mais fiéis, o jornal forneceu na edição de terça-feira (pág. 1-11) uma explicação para o tratamento diferenciado:

''A Folha optou por suprimir cadernos de assinantes porque, nesse universo, é possível saber quem foi prejudicado e ressarci-lo'' (com a prorrogação das assinaturas por três dias). Desde o início, o jornal optou pela transparência, noticiando suas próprias mazelas. O auge desse doloroso processo ocorreu na quarta-feira, com a publicação de anúncio em um quarto da Primeira Página, ''Aos nossos leitores'':

''A Folha (...) compromete-se a mobilizar todos os recursos para reduzir ao máximo esse período de transição e retomar, o mais rapidamente possível, o plano original.

''Solicita, ainda, sua compreensão _em nome dos serviços que tem procurado prestar à sociedade e do pioneirismo das melhoras que está, mais do que nunca, empenhada em atingir.''

O projeto Entre os 60 leitores que procuraram o ombudsman para opinar sobre aspectos gráficos, propriamente ditos, a maioria também foi negativa. Houve 40 manifestações contrárias. Só 7 apresentaram elogios, e outros 13 pesaram prós e contras.

Justiça seja feita: a maior parte dos que criticaram a nova Folha o fizeram menos pelo novo projeto gráfico em si do que pelas derrapadas em sua implantação.

Campeão de reclamações foi o problema de registro (precisão na impressão de fotos compostas de várias cores). Essas falhas resultam em imagens com ''fantasmas''. Muitos leitores fizeram piada dizendo que o jornal deveria dar de brinde óculos de 3D, como nos cinemas especiais.

O caso PT

A Folha publicou na terça-feira uma manchete problemática: ''PT perde 600 mil filiados em 1 ano''. De início, não atentei para suas deficiências e a elogiei na crítica interna da edição. Depois, em contato com a direção do partido, ''revi posição'', como se dizia no jargão estudantil de duas décadas atrás.

O PT tinha aí uns 700 mil filiados, arrebanhados na atmosfera de encantamento operário em que nasceu. Quis fazer uma ambiciosa refiliação e se deu mal: apenas 100 mil militantes atenderam ao chamado.

Pode-se discutir interminavelmente quantos militantes o partido tem hoje. Desconfio de que a interpretação da Folha expressa em editorial na quinta-feira e a da agremiação são inconciliáveis. Felizmente, para ambos.

Um título de jornal, porém, é um enunciado factual. E a afirmação de que 600 mil pessoas deixaram em definitivo a condição de filiados é no mínimo questionável. O PT diz que eles continuam legalmente inscritos.

Do ponto de vista jornalístico, por fim, a manchete é maculada por um pecado mortal: não é nova. Em 29 de junho do ano passado, ''O Estado de S.Paulo'' publicou reportagem semelhante, com o título ''Refiliação mostra que PT encolheu''. Ali já se falava no número de 100 mil refiliados.

O autor da reportagem da Folha, Fernando de Barros e Silva, argumenta que a refiliação só se completou em 15 de dezembro: ''Em junho, portanto, com a campanha em andamento, seria no mínimo precipitado dizer que o PT havia encolhido''.

É a tal história das uvas verdes.


Endereço da página: