Folha de S. Paulo


Confusão universal

Daria uma boiada para ficar longe dessa guerra ridícula, Globo X Universal, mas é notícia. E a poeira só aumenta, não assenta. Clareza e objetividade foram para o espaço.

Causa espanto a quantidade de paixão precisamente: ódio desencadeada pela seita do bispo Edir Macedo. Nessa atmosfera, torna-se difícil manter o equilíbrio jornalístico. Justamente quando ele é mais importante.

A Folha, entre os grandes jornais, é o que tem mantido a postura mais razoável com relação à Igreja Universal do Reino de Deus. Critica, até com veemência, os métodos de seus pastores para angariar fundos, como fez mais de uma vez em editoriais. Visivelmente, porém, procura manter seu noticiário distante da campanha sistemática contra a instituição. Esta atitude tem sido mal interpretada por alguns leitores.

Um deles ligou para o ombudsman, na quinta-feira, para cobrar uma posição do jornal. Argumentou que a Folha deveria adotar contra Macedo a mesma atitude que tinha contra Fernando Collor na época do impeachment. Outros, em telefonemas e cartas das últimas semanas, diziam-se estarrecidos com aspectos ''nazistas'' da igreja e que a imprensa não pode omitir-se no combate a esse ''câncer''. Outro, ainda, alertava para o risco de o jornal vir a ser usado pela Universal em sua defesa, prejudicando a própria credibilidade.

Macedo por certo não é santo, mas também não é o diabo, nem Collor, nem Hitler. Como qualquer personalidade pública, deve ser investigado pela imprensa, mas com isenção e baseada em fatos.

Quais fatos o esforço de reportagem da Rede Globo e de coadjuvantes como a revista ''IstoÉ'' conseguiu produzir até agora? Duas fitas de vídeo teologicamente devastadoras, mesmo para a mais reengenheirada seita cristã, mas extremamente precárias como evidências ou indícios de delitos que estariam sendo cometidos, segundo os acusadores de plantão.

Chutes

Ninguém se lembra mais da primeira fita, a do ''chute na (imagem da) santa''. Na época, também se falou muito em crime, com autoridades citando até o diploma legal que permitiria o indiciamento do bispo Von Helder. Onde está o inquérito? Que consequências teve? Desconfio de que a segunda fita a dos dólares, da pegação em Jerusalém e do suposto caixa dois do deputado terá o mesmo destino. Muito barulho por nada.

Outra coisa, bem diversa, é a devassa fiscal que a Receita Federal se dispõe a fazer contra a Universal e seus pastores. Espero que os diligentes fiscais tenham evidências mais concretas de delitos e irregularidades do que a própria fita. Caso contrário, a tentativa de enquadrar Macedo e seus gerentes pastorais se aproximará perigosamente de uma perseguição. Religiosa e, o que é pior, com apoio evidente de parte da imprensa.

Não é fácil investigar uma instituição fechada e monolítica como uma igreja. Neste ponto, a Folha também tem falhado. Teve mais sucesso em obter informações que podem ser lidas como favoráveis à Universal, a exemplo da reportagem mostrando que a minúscula igreja do pastor Carlos Magno, dissidente e denunciante, em Recife, não difere tanto assim daquela que o afastou (do púlpito e dos dólares).
Se conseguir um belo furo contra a Universal, a Folha dará uma prova irretorquível de sua isenção.

Isenção de impostos

Uma das acusações contra a Universal é que ela estaria fazendo mau uso da isenção de impostos garantida às igrejas pela Constituição de 1988. Acho difícil que se venha a estabelecer o que seja um mau e um bom uso dessa regalia, sem cair em contradição com a igualmente constitucional liberdade religiosa, mas vá lá.

O problema é que a imprensa tem a boca torta para falar dessa questão, porque pita no mesmo cachimbo. O artigo 150 da Constituição isenta não só os templos, mas também partidos, sindicatos, escolas, entidades de assistência social, livros, jornais e o papel em que são impressos. Está em tramitação no Congresso uma proposta de emenda constitucional, do deputado Eduardo Jorge (PT-SP), que acaba com o privilégio.

Não será coincidência se o leitor jamais tiver visto menção à proposta na imprensa. Silenciando em causa própria, esta deixa de suscitar um debate importante sobre as múltiplas isenções. A maioria dos cidadãos as desconhece, ainda que indiretamente subsidie atividades com as quais pode não concordar. (Não são poucas as pessoas surpreendidas com a informação de que Universal e seus pastores não pagam impostos, mas não é a única igreja a deixar de fazê-lo.)

Quanto ao papel de imprensa, minha posição de princípio é contrária à isenção. O principal argumento a seu favor é que a taxação sujeitaria uma instituição que deve ser livre à discrição do governante, que a qualquer momento poderia tentar puni-la elevando alíquotas.

Em primeiro lugar, parece pouco provável que qualquer governante se arrisque a afrontar uma imprensa tão independente quanto a brasileira, hoje. E sempre há o recurso à regulamentação: criar na própria lei mecanismos que impeçam a discriminação do setor. Em outras palavras, o governo poderia ser proibido de criar, para a imprensa, alíquotas diferenciadas dos ramos x, y ou z.

A imprensa de hoje não é só uma instituição imprescindível da ordem democrática, mas uma atividade lucrativa. Mais do que nunca, merece a designação algo paradoxal de indústria cultural. Deveria também ser alcançada pela desregulamentação neoliberal que prega com tanto afinco.

Não seria prudente, no entanto, tomar uma decisão dessas na presente conjuntura. O papel vem subindo há mais de dois anos no mercado internacional, originando uma pressão econômica extra sobre o ramo de atividade, além das agruras normais de qualquer empresa brasileira. Uma terceira pedra no sapato poderia provocar tropeços fatais em muitos órgãos.


Endereço da página: