No final de junho passei de carro pela região de Pedrogão Grande, em Portugal, poucos dias depois do incêndio florestal que matou 64 pessoas encurraladas na rodovia. Uma paisagem dantesca, morros e mais morros de pinheiros e eucaliptos calcinados, placas de trânsito derretidas.
Algo similar se vê agora nas imagens da Califórnia, com o acréscimo de bairros residenciais inteiros carbonizados. Fotografias e vídeos tomados do alto por drones revelam o arruamento curvilíneo de subúrbios americanos transformados em queloides de cinzas.
Tempestades de fogo varrem as regiões vinícolas de Sonoma e Napa, que empregam 100 mil pessoas e geram US$ 27 bilhões de produto para a economia californiana. Até sexta-feira (13) de manhã, 31 pessoas tinham morrido; centenas estavam desaparecidas.
A ação humana parece ter sido determinante para essas tragédias. Não tanto as medidas emergenciais, sobre as quais pode haver muita discussão (na quinta-feira, 12, o relatório da Comissão Técnica Independente foi entregue ao Parlamento português), e sim a mudança do clima, que insuflou as chamas com ventos mais fortes, quentes e secos.
Os dois casos trazem à mente o enredo do romance "A Estrada", de Cormac McCarthy. O livro, embora não mencione aquecimento global, compõe um retrato ficcional poderoso de um dos impactos que a mudança climática pode infligir à humanidade (tanto no sentido de gênero humano quanto no de respeito e dignidade que deveriam existir em um de nós).
As imagens incendiárias também evocam o debate sobre geoengenharia –a ideia de interferir com o clima da Terra para contrabalançar o aquecimento global. Mesmo quem sempre desconfiou da noção de que tecnologia resolve tudo já começa a admitir que, talvez, não reste outra saída para evitar o pior.
Os compromissos voluntários de cada país no Acordo de Paris ou serão descumpridos ou, mesmo que todos os cumpram, terão uma chance mínima de permitir que se alcance a meta principal do tratado: evitar que a temperatura global ultrapasse 2°C (e de preferência fique abaixo de 1,5°C).
Também na quinta-feira (12) se encerrou na Alemanha uma reunião de quatro dias para debater a questão a sério, a Conferência Engenharia do Clima, organizada pelo Instituto de Estudos Avançados de Sustentabilidade de Potsdam.
Debateram-se ali duas modalidades principais de geoengenharia: remoção de dióxido de carbono (abreviada CDR em inglês) e manejo de radiação solar (SRM).
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No primeiro caso se encaixam captura e estocagem de carbono em energia de biomassa (BECCS), sequestro de carbono no solo e reflorestamento. São coisas sensatas de fazer, com pouco risco de efeitos não pretendidos e enorme potencial no Brasil.
Bem mais controversa é a vertente SRM, medidas mirabolantes como encher a atmosfera de partículas para barrar parte da luz do Sol. Ambientalistas abominam, em geral, essa húbris tecnocientífica, mas quem sabe ao certo se um dia a humanidade não precisará reformar a natureza do clima para consertar o que desarranjou?