Folha de S. Paulo


Vivi o bastante para ver um megaincêndio na Groenlândia

ESA
Fogo na Groenlândia, observado por câmera em satélite da Agência Espacial Europeia
Incêndio de grandes proporções na Groenlândia, observado por satélite da Agência Espacial Europeia

Eis aqui uma notícia que não deveria existir, nem mesmo se fosse inventada. Mas é verdade: está comendo solto na Groenlândia o maior incêndio natural já visto na gigantesca ilha do Ártico.

Ora, a Groenlândia não está coberta de gelo? Sim, em grande parte, cerca de 80% de seus 2,17 milhões de quilômetros quadrados. Se essa calota gelada derretesse toda, o nível do mar subiria sete metros no planeta inteiro.

Um quinto do território, no entanto, fica livre de gelo e neve. Ali viceja uma vegetação composta principalmente de capim e arbustos, com poucas árvores, como bétulas.

O fogo e a fumaça estão visíveis para satélites desde 31 de julho numa área do sudoeste, perto da localidade de Sisimiut. A linha de queimada não está avançando, o que faz pensar que o combustível pode não ser a vegetação da superfície, mas sim matéria orgânica no solo.

A principal hipótese é que o incêndio esteja queimando turfeiras, vegetação parcialmente decomposta que se acumula no solo, sendo formada em geral por musgo. Em certas condições geológicas e ao longo de muito tempo, pode transformar-se em carvão.

O fogo se encontra a apenas 70 km de distância da linha de geleiras. Não é impensável que contribua para derretê-las um pouco mais.

Há também quem acredite que o incêndio só esteja ocorrendo agora, nessas proporções, porque a turfa se encontra ressecada por força do aquecimento global. Mas isso ainda precisa ser corroborado com pesquisas e dados.

De todo modo, o Ártico passa por um de seus verões mais quentes. A calota de gelo que cobre o oceano da região encolhe num ritmo só igualado em 2012, quando o recorde de menor extensão foi batido.

Até a mítica passagem Noroeste, em busca da qual mais de uma expedição soçobrou, está ficando livre de icebergs e banquisas. Repórteres do jornal americano "Washington Post" estão a bordo quebra-gelos canadense Amundsen para contar como ela é.

Algo para fazer revirarem-se os restos mortais do britânico John Franklin (1786-1847), onde quer que estejam sepultados. Ele partiu em 1845 da Inglaterra com os navios Erebus e Terror, e nunca mais foi visto.

Já nós, no século 21 e na nova era geológica do Antropoceno, viveremos talvez o bastante para ver o oceano Ártico sem gelo nalgum verão próximo. Mas não para testemunhar o desaparecimento da calota sobre a Groenlândia, que consumirá centenas ou milhares de anos, tamanho é seu volume.

Eis aí um problema hipermegacabeludo, que legaremos para nossos tataranetos e seus descendentes. Eles que se virem, certo?


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