Folha de S. Paulo


Poluição do ar tira R$ 15,8 bi anuais do Brasil com 62 mil mortes prematuras

Décadas atrás, quem dirigia pelas estradas brasileiras topava com placas de mensagens lúgubres como "não faça do seu carro uma arma –a vítima pode ser você".

As placas sumiram, mas as mortes no trânsito, não: são mais de 40 mil por ano, e crescendo. De 19 óbitos por 100 mil habitantes em 2009, o país passou para 23,4/100 mil em 2013, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Correr demais ou usar o celular enquanto se dirige não são, porém, as únicas maneiras de fazer do seu carro uma arma. São apenas as mais ruidosas, como sair dando tiros por aí. Basta ligar o motor para fazer dele também uma arma química.

O cano de escapamento cospe uma série de compostos tóxicos, como os monóxidos de nitrogênio (NO) ou de carbono (CO) e precursores de ozônio (O3). Dali sai também material particulado, com destaque para a poeira fina (PM2,5) que penetra até os alvéolos dos pulmões e faz estragos neles.

Não faltam pesquisas a mostrar que a poluição do ar está diretamente relacionada com mortes prematuras causadas por doença cardíaca isquêmica (enfarte), derrame, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer de pulmão, infecção respiratória aguda e pneumonia. Velhos e crianças pequenas são as maiores vítimas.

O Banco Mundial estima que 2,9 milhões morrem antes da hora no mundo, todos os anos, por causa da poluição do ar. A maior parte por cozinhar dentro de casa com lenha e carvão, como fazem 2,8 bilhões de pessoas, principalmente na África e no Sul da Ásia. Fora daí, as mortes por poluição do ar se dão por força das emissões veiculares.

As cifras acabrunhantes estão na publicação "O Custo da Poluição do Ar", que teve lançamento na semana passada e pode ser encontrada -em inglês- aqui. Em anos de vida produtiva perdidos, isso custou à economia global, em 2013, a bagatela de estimados US$ 225 bilhões.

Outra medida feita pelo Banco Mundial diz respeito à perda de bem-estar. Aqui, o valor monetário do prejuízo é calculado por meio de metodologia diversa —quanto cada pessoa se disporia a pagar para livrar-se do risco de morrer por aquela causa. Neste caso, o montante sobe para US$ 5,1 trilhões.

Estima-se que 87% da população mundial viva em áreas acima do máximo de concentração de PM2,5 recomendado pela OMS, de 10 microgramas por metro cúbico. A de ozônio vem caindo no mundo, mas Brasil, China, Índia, Paquistão e Bangladesh viram-na aumentar entre 10% e 20%.

No que toca ao PM2,5, a média do Brasil se encontrava ligeiramente abaixo do recomendado pela OMS em 2009, com 9,68 micrograma/m3. Em 2013, contudo, esse valor já se encontrava em 16,5 micrograma/m3.

As mortes decorrentes, segundo a estimativa do Banco Mundial, subiram de 59,6 mil para 62,2 mil ao ano no intervalo. Em matéria de produtividade perdida, o custo foi de US$ 4,9 bilhões em 2013, ou R$ 15,8 bilhões na taxa de câmbio atual.

Com transporte de massa eletrificado, seria possível matar três coelhos com um único golpe de progresso tecnológico: diminuir os acidentes fatais, abater as mortes prematuras por poluição e ainda mitigar o aquecimento global, pois os motores a explosão também emitem gases do efeito estufa.

Não há por que continuar indefinidamente com essa insanidade de ênfase no deslocamento individual propelido a combustíveis poluentes. Melhor seria retomar as placas dos anos 1970, com uma pequena adaptação: "Não faça de seu carro uma arma –o fóssil pode ser você".


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