Folha de S. Paulo


Afogados em vírus

O Brasil anda encafifado com três vírus do mal: zika, dengue e chikungunya. Mal sabem todos que há muito, MUITO mais dessas criaturinhas por aí –com o perdão das maiúsculas, que pretendo demonstrar serem justificadas.

O diminutivo também se explica. Há vírus de várias formas e vários tamanhos, mas não se conhecem exemplares muito maiores do que 1,5 micrômetro (milésimo de milímetro), e os menores estão na casa de 0,3 micrômetro (300 nanômetros, ou milionésimos de milímetro).

Difícil até imaginar. Com 0,3 micrômetro, um centésimo do porte de uma célula da pele humana, você poderia enfileirar mil vírus numa face de um grão de sal refinado, já comparou o jornalista Carl Zimmer.

Se alguém quiser parar de pensar em vírus e espairecer com um banho de mar, por exemplo, melhor não continuar a leitura deste texto. Em cada litro de água do oceano, afinal, a pessoa poderia encontrar 100 bilhões de vírus.

Foi o que descobriu em 1986 uma estudante de doutorado, Lisa Proctor, da Universidade de Nova York em Stony Brook. Mais uma vez, fiquei sabendo da história por intermédio de Zimmer.

Ninguém achava antes que houvesse tamanha quantidade de vírus no mar. Era crença comum que os presentes chegavam ali só com o despejo de esgotos pelos emissários submarinos.

Não foi o que Proctor constatou. Após examinar amostras do mar de Sargaços com microscópio eletrônico, ela estimou os tais 100 bilhões. Nos oceanos todos da Terra, a quantidade dessas partículas seria algo da ordem do número 10 seguido de 30 zeros.

Outras comparações: há 14 vezes mais vírus no oceano do que qualquer outro organismo; seu peso total equivaleria a 75 milhões de baleias azuis (existem menos de 10 mil delas vivas); alinhados um atrás do outro, esses vírus todos do oceano se estenderiam por 42 milhões de anos-luz. Anos-luz?!

Esses dados estonteantes estão no livro "A Planet of Virus" (um planeta de vírus), de Zimmer. Recomenda-se a leitura para quem não escolheu parar de pensar nesses microrganismos ou de preocupar-se com eles.

Alguns especialistas estranharão chamar vírus de microrganismos. Serão provavelmente os partidários da noção de que eles não se encaixam na definição de seres vivos.

Afinal, essas partículas só conseguem reproduzir-se porque sequestram o metabolismo de células vivas –de organismos unicelulares como bactérias a seres complexos como primatas humanos. Esse sequestro é o que chamamos de infecção viral, contra a qual nossos corpos reagem, produzindo os sintomas das viroses.

Existe também, contudo, o partido dos que consideram os vírus muito vivos, no sentido literal da palavra. As partículas infecciosas transportadas por mosquitos, por exemplo, eles chamam de vírions.

O vírus propriamente dito seria o complexo de moléculas montado dentro da célula para a própria replicação viral. É um debate um tanto semântico, quanto chamar ou não de "passageiros" ratos clandestinos que furtam comida e se reproduzem no bojo de um navio.

Para alguns, sem os vírus não haveria nem mesmo vida. Por sua teoria, eles se formaram na sopa primordial de moléculas e foram evoluindo até se tornarem parecidos com células e ocuparem toda a Terra –e também seus oceanos.


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