Folha de S. Paulo


O Brasil tem futuro, mas não é bom

Clio, a deusa da história da mitologia grega, deve ter alguma pinimba muito séria com este país.

No momento em que ele mais precisa de cabeças frias para enfrentar o tempo quente, ouvem-se apenas vozes estridentes dos dois lados do fosso aberto entre governo e sociedade.

Entenda-se "tempo quente" de maneira literal. Sim, o assunto é aquecimento global e mudança climática. De novo.

Antes que o leitor comece a revirar os olhos, permita uma pergunta: em que Brasil seus filhos e netos vão crescer e ser felizes ou infelizes? Não será num governo Dilma, Marina ou
Aécio, nem num governo Lula ou FHC.

Procure enxergar algumas décadas à frente. PT e PSDB poderão nem estar mais por aí, mas a maior parte do dióxido de carbono (CO2) que produzimos com nossos veículos, desmatamento e usinas termelétricas estará firme na atmosfera.

Cerca de 70% do CO2 emitido pela humanidade demorará até cem anos para ser reabsorvido nos oceanos. O restante permanecerá séculos contribuindo para agravar o efeito estufa.

E o Brasil com isso? A resposta está num estudo divulgado quarta-feira (2) pelo Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), "Riscos de Mudanças Climáticas no Brasil e Limites à Adaptação" (bit.ly/21MXlIT).

A temperatura no país tem probabilidade de 70% de galgar 4°C até o ano 2100, se o planeta seguir no ciclo atual de poluição e aquecimento. Ultrapassaríamos a média de 30°C, com efeitos drásticos sobre a saúde, a agricultura, a energia e a biodiversidade.

No campo da saúde, onde o Brasil já cambaleia mesmo sem um empurrão do aquecimento global, as perspectivas são sombrias. Dengue, zika e chikungunya se espalhariam ainda mais.

O efeito mais preocupante viria com o estresse por calor. Na exposição contínua a temperaturas de 37oC ou mais, sobretudo em condições de alta umidade, o corpo não consegue dissipar calor por meio do suor, o que pode levar à morte.

Idosos e crianças ficariam mais vulneráveis nos Estados Maranhão, Piauí, Acre, Amazonas e Pará. A mortalidade por doenças cardiovasculares poderia aumentar 10% a 30%, até 2100, numa larga faixa do oeste do Paraná até Roraima.

Na agricultura, cultivos importantes veriam redução acentuada em suas áreas de baixo risco. Esse mapeamento indica em que lugares do Brasil determinada cultura, por força de condições de solo e clima, enfrenta possibilidade de quebra de safra menor que 20%.

No pior cenário, o arroz perderia 13% das áreas mais propícias. O feijão, 57%. A soja, carro-chefe das exportações agrícolas, veria sua lavoura de baixo risco encolher 81%.

No campo da geração hidrelétrica, a vazão diminuída dos rios agravaria a probabilidade de apagões. Para piorar a vulnerabilidade do sistema, a demanda por energia aumentaria de forma acentuada com a elevação da temperatura, pelo uso de aparelhos de ar condicionado.

A biodiversidade, por fim, teria um risco 15,7% maior de extinção de espécies. Na reta estariam principalmente as abelhas, além de plantas comestíveis do cerrado.
Com esse futuro pela frente, o Brasil só quer saber de Lula e dos filhos de Lula. Passou da hora de pensarmos nos nossos.

Clio, tende piedade de nós.


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