Folha de S. Paulo


#partiuAntártida (quase)

A meteorologia caprichosa da Antártida pregou mais uma peça, e o voo da Força Aérea Brasileira (FAB) parou a apenas 20 minutos de nosso destino.

No momento em que você lê esta coluna, porém, é possível que já tenha desembarcado no continente gelado. O destino é a Estação Antártica Comandante Ferraz, destruída por um incêndio que custou a vida de dois militares, o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o primeiro-sargento Roberto Lopes dos Santos, em 25 de fevereiro de 2012.

A base de operações do Brasil, que só agora começa de fato a ser reconstruída, quatro anos depois, fica na ilha do Rei Jorge, na ponta da península Antártica. Isso significa que ela se encontra muito mais perto da Terra do Fogo -ilha repartida por Chile e Argentina do outro lado da tormentosa passagem de Drake- do que do pólo Sul.

Não que as condições sejam amenas por ali, na vizinhança da parte da América do Sul que já foi apelidada de Finis Terrae (fim do mundo). A temperatura média na baía do Almirantado, onde vai se erguer a nova EACF, é da ordem de 3oC -negativos. Brrr.

De toda maneira, bem melhor que a média nos 14 milhões de quilômetros quadrados (65% maior que o território brasileiro) do restante do continente. Coisa de -60oC.

A partida se dá de Punta Arenas, cidade de 150 mil habitantes no extremo sul do Chile. Um avião C-130 da Força Aérea Brasileira percorre em três horas o trajeto até a base chilena Eduardo Frei, que conta com uma pista de pouso. Se houver visibilidade horizontal e vertical (teto), pousa; se não, volta -como aconteceu neste domingo (28).

De uma praia próxima zarpa o navio polar Almirante Maximiano, para outras três horas de navegação até a Comandante Ferraz. A bordo, além de jornalistas brasileiros e chineses, pesquisadores e militares em troca de turno.

No sábado (27) à noite, 30 pessoas do grupo que embarcaria no dia seguinte receberam instruções da Marinha sobre o que levar para a Antártida e um saco de lona azul com a "andaina", conjunto de roupas adequadas para o frio antártico.

Recomendação: levar as mudas de roupa dentro de sacos plásticos na mochila para dois ou três dias. Elas podem molhar no bote de borracha que faz o traslado até o navio polar.

A janela de decolagem ditada pela previsão do tempo foi marcada para as 9h. Acabou transferida para as 13h. O cinquentenário C-130 partiu às 13h10, fez meia volta às 15h15 e pousou de retorno em Punta Arenas às 17h02.

Conhecer a ilha do Rei Jorge, na periferia da Antártida, é um objetivo perseguido há mais de três décadas, desde que o repórter Ulisses Capozoli relatou nesta Folha a primeira viagem de um jornalista brasileiro à pátria do gelo.

Quis o acaso que minha estreia no continente desbravado por heróis das antigas como Amundsen, Scott e Shackleton se desse muito mais ao sul, a quase 25 graus de latitude e 2.100 km da EACF. E logo para acampar sobre uma camada de gelo com centenas de metros de espessura.

Foi no Ano Novo de 2009, na companhia de uma equipe de pesquisadores brasileiros liderada pelo velho urso polar Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi o réveillon mais doido deste colunista, à luz do sol da meia-noite sobre os montes Patriot.

O relato, editado com pulso firme por Claudio Angelo e Marília Scalzo, ocupou boa parte das 64 páginas da revista especial "No Coração da Antártida", publicada pela Folha em 22 de março daquele ano.

Mas a baía do Almirantado, tão mais perto, continuava fora de alcance. Até agora. Ou não?

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O jornalista Marcelo Leite viaja de Punta Arenas (Chile) para a Antártida a convite do Ministério da Defesa


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