Folha de S. Paulo


Ordem e progresso (pela esquerda)

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Perdoem-me os ludibriados pelo título sugerindo conteúdo político, mas foi de propósito. A figura lembra petistas e tucanos marchando em direções opostas, só que não é nada disso -apenas um truque fácil para chamar a atenção de quem prefere enxergar tudo no mundo decomposto em vermelho e azul.

Chamar a atenção, no caso, para um estudo teórico de física que tem interesse, veja só, para usuários de metrô. Quem já se submeteu ao suplício de cruzar a pé a interligação das linhas verde e amarela do metrô paulistano em horário de pico lerá com proveito, pouco importa se lulista, aecista, marinista, dilmista, colunista ou pessimista.

O artigo em questão (bit.ly/1ZrIroo) afugentaria qualquer pessoa num ponto de ônibus. Foi publicado em inglês num periódico científico chamado "Physical Review Letters X" (não confundir com Arquivo X) e está cheio de gráficos e fórmulas.

O título tampouco é convidativo, ao menos para quem defende o impeachment: "Comportamento de manter-se à esquerda induzido por paredes assimetricamente perfiladas". Nada a ver com a arquitetura de Oscar Niemeyer, mas não deixa de ser também produto da criatividade de brasileiros.

Os autores são os físicos Lucas Oliveira, da Universidade Federal do Ceará, e André Vieira, do Instituto de Física da USP. Com colegas brasileiro e suíços, eles modelaram o fluxo de pedestres dentro de um corredor em várias situações de densidade (número de pessoas), velocidade e formato das paredes.

Nos corredores retos de vários metrôs pelo mundo se veem faixas, barreiras físicas ou cartazes orientando os usuários a caminhar de um dos lados, direito ou esquerdo. É para evitar o movimento caótico das pessoas que andam em diferentes velocidades e acabam trombando umas com as outras.

Conforme aumenta o número de pessoas, essa confusão pode degenerar em congestão. Chega um ponto em que o fluxo simplesmente para.

Nas auto-estradas alemãs, é comum o rádio anunciar que um engarrafamento se deve "a alta ocorrência de tráfego", popularmente conhecido como "Stau aus nichts" (congestionamento por nada). Não é preciso um acidente para parar tudo, basta a influência mútua entre condutores de carros em diferentes velocidades.

Num corredor fechado de metrô, além de irritante, a paralisia tem algo de perigosa. As pessoas presas nesses aglomerados podem ser tomadas de pânico. Daí a proliferação de sinais do tipo "mantenha a direita" (ou esquerda, como preferir).

A turma de Oliveira e Vieira mostrou, com recursos matemáticos que não me atrevo a tentar explicar, que é possível induzir um comportamento ordenado (como caminhar sempre pela esquerda) mexendo nas paredes do corredor. Se elas forem dispostas em ziguezague, e não de maneira linear, a coisa acontece sozinha.

Tem a ver com a interação das partículas, quer dizer, pessoas, com as paredes. Todos se comportam de maneira a evitar as quinas formadas pelo ziguezague e isso acaba, com o tempo, por fazer com que os dois fluxos se concentrem em faixas paralelas.

Se a maioria for petista, será que tudo vai progredir pela esquerda? E vice-versa, se os tucanos se tornarem majoritários? O corredor que vai até 2018 é reto e comprido; pode dar confusão no trajeto.


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