Folha de S. Paulo


O curto e o comprido

Há uma semana o governo brasileiro divulgou suas metas de esforço para ajudar a combater o aquecimento global. Prometeu reduzir em 37% até 2025 suas emissões de gases do efeito estufa e, se possível, chegar a 43% de corte em 2030.

As duas metas se referem ao ano-base 2005. Como expliquei numa coluna (bit.ly/1LoAqiw), há dez anos o país desmatava muito, o que torna a meta atual mais fácil de cumprir.

Depois do Brasil, vários outros países apresentaram seus planos de cortar emissões de carbono. Até o prazo estipulado pela ONU, quinta-feira (1/10), 146 dos 196 membros da Convenção do Clima haviam publicado seus compromissos.

Juntos, eles respondem por 87% das emissões globais. É um bom sinal para a Conferência de Paris, em dezembro, que precisa produzir um novo acordo mundial para substituir o Protocolo de Kyoto (1997).

Ocorre que as metas já anunciadas não dão conta de entregar o resultado pretendido: impedir que a temperatura média da atmosfera exceda o limite de segurança de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Estima-se que o conjunto das promessas acarretariam um aquecimento de 2,7°C e a piração do clima.

Pense no mês de setembro em São Paulo, que quebrou quase todos os recordes tanto de chuva quanto de dias sem ela e de altas temperaturas. Aí imagine que o tempo ficaria assim por um tempo muito comprido.

Por falar em São Paulo, um estudo do economista Eduardo Haddad, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), estimou que o trânsito de sua região metropolitana impõe uma perda de R$ 156 bilhões por ano ao PIB brasileiro.

O cálculo foi feito só com base no tempo perdido e na decorrente queda de produtividade. Pelo cômputo de Haddad, um paulistano fica em média 100 minutos por dia para se deslocar na metrópole, 30 minutos a mais do que seria necessário em condições normais.

Nessa estimativa não entram as mortes prematuras causadas pela poluição do ar. Segundo Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, 3.500 óbitos precoces poderiam ser evitados se valessem aqui os padrões recomendados pela OMS. Além disso, três anos seriam acrescentados à expectativa de vida do paulistano.

O leitor talvez esteja se perguntando o que poluição do ar tem a ver com mudança do clima. Muita coisa. Embora o mais abundante gás do efeito estufa, dióxido de carbono (CO2), não seja tóxico, vários outros são.

Esse agentes duplos costumam ser chamados de "poluentes atmosféricos de curta duração". O principal é o carbono negro (fuligem). Ele consegue esquentar a atmosfera de 460 a 1.500 vezes mais que o CO2 e faz muito mal à saúde.

Outros: ozônio e metano. Esses compostos, que têm vida mais curta na atmosfera que o CO2, ainda não entraram no radar das ONGs ambientalistas.

Elas estão mais preocupadas com o futuro distante (final do século). Mas deveriam prestar mais atenção neles, porque estão piorando a vida da gente hoje e vão pôr o sistema climático em polvorosa amanhã.

Em resumo: o trânsito de São Paulo mata muitas pessoas (e não é só nos acidentes), detona a economia e enlouquece o clima do planeta. Se mudá-lo radicalmente não for encarado como prioridade, o médio e o longo prazo serão lugares muito ruins de se viver.


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