Folha de S. Paulo


Volkswagen dá largada para o Dieselgate

Michael Sohn/AP

A queda do presidente mundial da Volkswagen, Martin Winterkorn, é só a ponta do iceberg de um escândalo industrial comparável, talvez, ao dos fabricantes de cigarros.

A fraude que escondeu os níveis reais de emissão de poluentes em motores diesel, afinal, não só derrubou as ações da empresa. Provocou também, provavelmente, algumas centenas de mortes prematuras.

O efeito da poluição adicional na saúde da população não será sentido nos Estados Unidos, onde a fraude foi detectada em 482 mil carros VW. Lá, apenas 3% de veículos de passeio são movidos a diesel (no Brasil, apenas utilitários -alguns de luxo- podem ter motores a diesel).

Na União Europeia, porém, essa proporção é de 50%. Como a montadora admitiu que o dispositivo fraudador pode estar presente em 11 milhões de automóveis, é quase certo que a maior parte deles esteja poluindo cidades da Europa. É possível também que outros fabricantes tenham recorrido a expedientes similares para melhorar o desempenho ambiental de seus carros.

No centro da questão da poluição por diesel estão os óxidos de nitrogênio (Nox). O pior desses gases é o dióxido de nitrogênio (NO2), substância tóxica associada com doenças cardiovasculares e do aparelho respiratório, inclusive câncer.

Estudo publicado por Inga Mills no periódico "British Medical Journal", em maio (bit.ly/1Wjcyi2), constatou aumento de até 1,1% no risco de morte prematura por exposição ao NO2, mesmo que por breves períodos.

O diário britânico "The Guardian" (bit.ly/1KvBwpf) estima que o descumprimento dos padrões de emissão de NO2 pelos carros VW manipulados acarretou a emissão de 1 milhão de toneladas anuais de poluentes. Isso equivale a todas as emissões do Reino Unido –para geração de eletricidade, indústria, transportes e agricultura– num ano.

Na realidade, a poluição por motores a diesel em grandes cidades europeias já estava em foco há algum tempo. Várias delas não vinham conseguindo manter a trajetória necessária para cumprir, até 2020, os limites máximos de emissão dos Nox estipulados pela Comissão Europeia (CE).

Até mesmo a ecologicamente ultracorreta Alemanha, berço da Volkswagen, está na berlinda por causa do NO2. Nada menos que 29 cidades –entre elas Berlim, Hamburgo, Munique e Stuttgart– estão derrapando, o que poderá levar a CE a recomendar o banimento de carros a diesel ou uma taxação punitiva para eles nessas localidades.

Segundo o portal EurActiv (bit.ly/1zavSGP), a CE estima que o custo de saúde pública associado com a poluição do ar está entre € 330 bilhões e € 940 bilhões (R$ 1,53 trilhão a R$ 4,4 trilhões). Para comparação, o PIB brasileiro em 2014 foi de R$ 5,5 trilhões.

Se as fraudes da VW se revelarem prática comum na indústria automobilística, como sugerem estudos mostrando que as emissões medidas em bancadas de teste diferem em 500% ou mais da poluição de fato gerada por veículos diesel nas ruas, parte dessa conta acabará sendo cobrada das montadoras.

No mês que vem, informa o "Guardian", um tribunal de Veneza iniciará audiências de um processo movido pelo grupo de direitos do consumidor Altroconsumo contra a Volkswagen e a Fiat. A acusação é de propaganda enganosa sobre consumo de combustível e emissão de poluentes dos modelos Golf 1.6 e Panda 1.2, que seriam 50% maiores que os alardeados.

Altroconsumo pede € 506 (R$ 2.346) de indenização por proprietário. Se danos à saúde entrarem na conta, e se as fraudes forem além dos modelos diesel da VW, essa fatura subirá aceleradamente para a casa dos bilhões.


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