Folha de S. Paulo


Planeta (no) vermelho

Esqueça Marte. O Planeta Vermelho passou a ser a Terra a partir de quinta-feira (13 de agosto –não poderia haver data mais agourentamente apropriada). Ou melhor, o Planeta No Vermelho.

Explico. Quatro dias atrás a humanidade começou a sacar a descoberto na conta da natureza, consumindo mais recursos naturais do que o planeta consegue recompor ao longo do ano. Entramos no cheque especial, mas ninguém sabe se e quando vamos conseguir cobrir o saldo negativo.

A conta é feita pela organização não governamental WWF. Eles calculam a "pegada ecológica" que a presença dos seres humanos deixa sobre a Terra, ou seja, seu impacto no sistema natural.

Pense na produção de alimentos. O cálculo da pegada leva em conta a área de terra ocupada, a energia usada pelo maquinário agrícola (combustíveis), os fertilizantes, o transporte da mercadoria etc. Isso é então traduzido em "hectares globais", um conceito abstrato de área para indicar qual fração da Terra seria necessária para manter aquela atividade indefinidamente.

Somando a produção de alimentos com as respectivas áreas demandadas pelo consumo de energia, pela destruição de florestas, pela pesca excessiva, pela emissão de gases do efeito estufa etc., obtém-se a pegada global. Só que a superfície computada é maior que a da própria Terra.

Trocando em miúdos, hoje precisaríamos de um planeta 60% maior para sustentar a população de 7,3 bilhões de pessoas com o nível atual de consumo. Uma trajetória insustentável - afinal, o que todos os países almejam é AUMENTAR a produção e o consumo de seus habitantes, para melhorar a qualidade de vida.

Há três maneiras de resolver essa inequação.

A primeira é diminuir a população, o que parece política e demograficamente inviável no curto e no médio prazos. As taxas de natalidade estão em queda espontânea na maioria dos países, fruto da urbanização e do acesso a meios anticoncepcionais. Mas isso só levará a uma estabilização populacional lá pelo fim do século –e é bem plausível que a humanidade ultrapasse ligeiramente os 10 bilhões.

A segunda é diminuir de maneira drástica o nível de consumo. Deixa pra lá –não vai rolar. Há centenas de milhões de pobres na Índia, na China e na África (para citar os casos mais graves) que merecem uma vida melhor.

Resta a saída da tecnologia, da inventividade e da transformação cultural. A geração de energia, a agropecuária e os processos industriais podem ser aperfeiçoados para produzir mais unidades consumindo menos recursos naturais.

Energia solar e eólica; no limite, até a nuclear. Biotecnologia e recomposição de florestas. Menos viagens de avião e mais alimentos localmente produzidos. Lâmpadas de LED em lugar das incandescentes e fluorescentes. A lista é longa, e temos capacidade de aumentá-la a cada dia.

Assim como a maior parte das pessoas consegue se sustentar com o próprio salário e evitar os juros pornográficos do cheque especial, precisamos encontrar uma maneira de viver com a renda que a natureza nos propicia de graça. Por exemplo, só cortar a quantidade de árvores, durante certo período, que a floresta consiga repor no intervalo seguinte.

Como escreveu David McLaughlin, da WWF, a Terra é como uma lagartixa. Se perder uma parte do rabo, consegue regenerá-lo após algum tempo –isso se os mais desconsiderados não derem um fim nela à base de pancadas.


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