Folha de S. Paulo


O calcanhar da Embrapa

Imagens de satélite e sistemas de informações geográficas (georreferenciamento) são hoje ferramentas imprescindíveis para planejar, administrar e governar. No setor estratégico da agricultura, então, em que a terra é o fator básico de produção, tornou-se vital.

É de estranhar, portanto, que a conceituada Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) não tenha alcançado nessa área renome comparável ao do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Este ganhou projeção nacional e internacional com seu eficiente sistema de monitoramento da devastação na Amazônia, iniciado já na década de 1980.

Foi também naqueles anos, mais precisamente em 1989 (governo José Sarney), que se criou a Embrapa Monitoramento por Satélite (EMS, para abreviar), sediada em Campinas (SP). De lá para cá, no entanto, essa unidade da empresa ganhou mais notoriedade pelas controvérsias em sua administração do que pela produção científica.

A direção da EMS passa agora por novo processo de substituição, que poderá lançá-la mais uma vez sob o foco polêmico. A comissão de seleção habilitou dois concorrentes, Evaristo Eduardo de Miranda, que já dirigiu a unidade, e Edson Luis Bolfe, que chefiou seu setor de pesquisa e desenvolvimento por mais de cinco anos. A decisão final caberá ao presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, que em breve terá de renovar seu mandato.

A disputa pela EMS é acirrada. O grupo de Miranda, hoje minoritário, comandou-a mais de uma vez até 2009. Naquele ano Miranda obteve repercussão nacional com o relatório "Alcance Territorial da Legislação Ambiental e Indigenista".

O trabalho concluía que sobravam só 29% do território nacional para a agropecuária. O restante estaria tomado por unidades de conservação, terras indígenas, quilombos, corpos d' água, cidades etc.

Soou como música aos ouvidos dos ruralistas, que pelejavam para abrandar as exigências ambientais do Código Florestal (no que depois obtiveram sucesso). Foi rapidamente encampado pelo então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB-PR), e pela senadora Kátia Abreu, de Tocantins.

Atual ministra, Abreu na época militava na Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e na oposição, pelo DEM. Em seguida foi para o PSD, depois para o PMDB.

O relatório de Miranda enfrentou muita contestação de organizações ambientais, mas também de pesquisadores. Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), calculou que, em lugar do deficit de 334 mil km2 para a agricultura diagnosticados por Miranda, haveria superavit de 1 milhão de km2, além de 600 mil km2 de pastagens improdutivas.

É muita discrepância. Alguém já disse que há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas. Hoje talvez fosse o caso de amplificar o alcance do dito para afirmar que são três as formas de fazer propaganda para os poderosos: propaganda, propaganda enganosa e imagens de satélite.

A missão da Embrapa é fazer pesquisa para apoiar o desenvolvimento da agricultura nacional. Se uma de suas unidades for instrumentalizada para prestar serviços e produzir informações de uso político, será um infeliz desvio de função.
Esse filme já passou no Ipea, e muito pouca gente gostou.


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