Folha de S. Paulo


Angrão

Demorou, mas o previsível se tornou real. Os escândalos da Operação Lava Jato chegaram ao setor elétrico e à sacrossanta energia nuclear, questão de honra e de segurança nacional na era Geisel da ditadura militar.

Seria uma raridade se a cultura de incompetência e corrupção semeada naqueles tempos sombrios não tivesse maculado também esse setor estratégico para a segurança energética do Brasil. Se petróleo e hidrelétricas, os pilares do sistema, sucumbiram, por que não essa forma caríssima de geração de eletricidade?

Os militares investiram bilhões nela porque queriam dominar o ciclo completo do enriquecimento de urânio, e as usinas em Angra dos Reis (RJ) forneciam uma boa desculpa para isso. Em quatro décadas de atrasos e desperdícios, eles e seus herdeiros civis mal conseguiram pôr duas centrais nucleares para funcionar.

Os equipamentos de Angra 3 estão há décadas encaixotados, esperando pela decisão de retomar a obra. Ela só veio com o governo Lula, numa de suas várias recaídas nacional-desenvolvimentistas, com o beneplácito da então ministra Dilma Rousseff, para alegria das onipresentes empreiteiras.

A estatal Eletronuclear nasceu e cresceu na sombra do regime militar. Quem acreditou que essa influência exerceria um papel inibidor da corrupção terá vivido o bastante para ver um almirante ir para a cadeia, sob a suspeita de receber R$ 4,5 milhões em propinas.

Mesmo quem vê com reservas o emprego da fissão nuclear para gerar eletricidade tem motivos para desgostar-se com a vertente Angrão do Petrolão/Eletrolão. Diante do aquecimento global e da necessidade de livrar-se dos combustíveis fósseis, manter aberto o acesso autônomo do país a essa tecnologia não é de todo irracional.

Há decerto muitas fontes alternativas –mais baratas, seguras e limpas– para investir, antes da nuclear, como eólica, solar e biomassa. Porém, se as coisas ficarem pretas com a mudança climática, como é bem possível que fiquem, vamos ter de engolir o sapo atômico.


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