Folha de S. Paulo


Fronteiras e viseiras

Faz bem a USP de autorizar que algumas aulas sejam dadas em língua estrangeira (entenda-se: inglês). Será só para disciplinas optativas, por ora, mas quem sabe assim a velha senhora um dia deixa de ser caipira, como mostra a edição de 2015 do Nature Index .

Esse ranking da revista britânica "Nature" classifica instituições de pesquisa do mundo todo por meio de sua produção científica mais relevante. O banco de dados reúne todos os artigos publicados em 2014 em 68 periódicos de primeira linha (veja aqui quais são eles), onde saem 30% da pesquisa que realmente importa.

O Index relaciona países e instituições de acordo com a quantidade de artigos e, mais interessante, com a proporção de colaborações internacionais. A ciência, afinal de contas, é hoje uma empreitada mundial e competitiva.

Pesquisadores ou institutos sem vínculos com o exterior terminam desatualizados e com baixo impacto na literatura. Seus estudos, em vez de cosmopolitas, tornam-se provincianos.

A julgar pela análise da "Nature", o desempenho da USP em matéria de abertura não corresponde ao seu porte. Embora seja a maior produtora no país de trabalhos publicados em periódicos de renome, ela aparece apenas em quarto lugar na relação das mais internacionalizadas do Index, atrás da UFRJ, da Universidade de Buenos Aires e do também argentino Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas.

Note, porém, que a proporção de artigos resultantes de parcerias estrangeiras de pesquisa é muito alto, nos quatro casos bem acima de 70%. A média da América Latina e do Caribe está na casa de 60% e a mundial é de 46%.

Na realidade, o quarteto latino-americano líder está no mesmo patamar da África. Aqui como lá, o pouco que se produz de ciência sai quase todo de colaborações com estrangeiros.

Paradoxalmente, o grau de internacionalização relativamente elevado é nesse caso um sintoma de fraqueza da ciência nesses países. Ele significa que seus pesquisadores quase só conseguem emplacar artigos naqueles 68 periódicos bacanas quando integram uma grande equipe internacional, comuns em certos estudos de genômica, física de altas energias ou astronomia.

A fatia da América Latina na produção científica mundial relevante é de deprimir. Nada menos que 91% desse volume tem origem na América do Norte (EUA e Canadá), Europa e Ásia. Os 9% restantes se repartem entre AL, África, Oriente Médio e Oceania.

O Brasil, por exemplo, embora sua produção científica tenha sido multiplicada por sete em duas décadas, ainda aparece em 23. lugar no ranking do Nature Index. Em outras palavras, avançou-se em quantidade e não tanto em qualidade.

A análise do caso latino-americano dá um exemplo recente dessa estratégia, que mais parece desenhada por especialistas em marketing eleitoral do que em política científica e tecnológica: o programa Ciência Sem Fronteiras, megalômana iniciativa de Dilma Rousseff.

O plano era enviar, em quatro anos, 100 mil universitários brasileiros ao exterior. A maioria de graduação, e muitos sem domínio da língua do país em que iriam estudar (leia-se: passear).

Abrir-se para o exterior é bom, mas não de qualquer jeito. Talvez muitos desses turistas acadêmicos retornem ao Brasil mais qualificados, mas a relação custo-benefício do programa é duvidosa. Em boa hora ele começa a encolher sob a tesoura de Joaquim Levy, como ocorreu com os exageros do Fies e do Pronatec.


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