Folha de S. Paulo


Apocalipse: 2, 565, 2.795

Esqueça Dilma Rousseff, Eduardo Cunha e Renan Calheiros e anote os três números deste título. Nessa tríade infernal se encontra a chave do futuro de nossos filhos e netos.

Não se trata de números cabalísticos nem de versículos satânicos. É a matemática alarmante do aquecimento global.

A primeira cifra se refere a uma temperatura: 2°C.

A atmosfera terrestre já se aqueceu 0,7°C desde que a Revolução Industrial passou a despejar nela grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). É o principal gás do efeito estufa (retenção de energia solar próxima da superfície).

Há razoável consenso de que, se a elevação da temperatura média não ultrapassar 2°C, haverá 80% de chance de evitar o pior da mudança climática.

Os oceanos talvez não subam muito mais que meio metro. Secas, furacões e enchentes podem tornar-se mais fortes e frequentes, mas não muito acima de nossa capacidade de adaptação.

Impedir que se cruze esse limite seria a principal missão da Conferência de Paris, em dezembro, se já não estivesse evidente que não será cumprida. Os compromissos de redução de CO2 apresentados por países e empresas, quando somados, garantirão no máximo metade da meta.

O segundo número é uma quantidade de CO2: 565 bilhões de toneladas (Gt).

Trata-se do orçamento de carbono que temos para gastar.

Se as atividades da economia que usam combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) emitirem mais que isso de CO2, a atmosfera superará os 2°C de aquecimento.

Em 2014, chegaram à atmosfera 32,3 Gt de CO2.

Se as emissões globais parassem de crescer, haveria 17,5 anos de CO2 para torrar, mas aí seria preciso despencar de 32 Gt para zero de 2031 para 2032.

Faz mais sentido começar a diminuir agora e acabar com as emissões lá por 2050.

A boa notícia é que as emissões pararam de crescer no ano passado, apesar de a economia mundial ter crescido um pouco –sinal de que cresceu a fatia das fontes renováveis na matriz energética. A má é que há interesses poderosos contra cortar o CO2 na velocidade necessária.

O terceiro algarismo também se refere a CO2: 2.795 Gt.

É a quantidade de carbono contida nas reservas de petróleo, carvão e gás natural declaradas pelas empresas de combustíveis fósseis, pré-sal do Brasil incluído.

Faça as contas: o terceiro número é o quíntuplo do segundo. Isso quer dizer que 4/5 das reservas mundiais de combustíveis fósseis são "inqueimáveis". Terão de continuar debaixo da terra, se for para levar a sério a meta de não ultrapassar 2°C.

Digam os economistas qual é o significado desse cálculo para a rentabilidade futura de empresas petroleiras. No curto prazo, nada, porque os preços do petróleo estão lá embaixo.

E no longo prazo? Grandes investidores, como fundos de pensão e de universidades e fundações, precisam continuar rendendo por muitas décadas. Não conseguirão, se seus ativos soçobrarem.

O diário britânico "The Guardian" lançou uma petição para pressionar duas grandes organizações filantrópicas, a Fundação Bill e Melinda Gates e o Wellcome Trust, a se desfazer de ações com risco de naufragar. Já conseguiu 100 mil assinaturas.

Enquanto isso, no Brasil, temos coisas bem mais prementes para nos preocupar. O futuro de nossos filhos e netos pode esperar.


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