Folha de S. Paulo


O vermelho e o verde

Não foi desta vez que se discutiram os temas realmente importantes para o país nos debates eleitorais entre presidenciáveis. Marina Silva (PSB) até que tentou, mas submergiu como uma Iara fugaz nas águas turvas do marketing político.

O Brasil chegou ao limite de sua capacidade de criar empregos e diminuir a pobreza na base das fabulações econômicas de Guido Mantega. O ano de 2015 será de um aperto atroz. E o que fazem Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) no seu constrangedor debate na TV?

Repetem até a náusea as palavras "mentiroso(a)" e "leviana(o)". Deblateram sobre uma pista de pouso em Cláudio (MG) como se fosse uma hidrelétrica no Tapajós ou no Xingu. Elevam o Bolsa Família à condição de um New Deal, coisa que não é e nunca será.

Nem mesmo a candidata verde, de resto, havia feito muito esforço para aproveitar a oportunidade de fazer o país olhar um pouco melhor para os 60% do território nacional compreendidos pela Amazônia. Rendida à perversa lógica eleitoral, escolheu um ruralista para vice e, camaleoa, refugiou-se no amarelo.

Esmaecida nas urnas, converteu-se ao azul dos tucanos. Extraiu de Aécio um rol frouxo de compromissos, alguns deles vagamente ambientais. Deve acreditar, com as lentes panglossianas pelas quais enxerga o mundo, que a fusão do azul e do amarelo trará o advento do verde redentor.

Quem está nadando de braçada, nesse caleidoscópio de aparências, é o vermelho vivo do PT. Regredimos ao desenvolvimentismo mais tacanho, das obras faraônicas como as da ditadura que atropelam índios, ribeirinhos e habitats únicos. Ressurge triunfante a mesma Dilma que, no ministério de Lula, passou como um trator sobre Marina.

Na fase em que reinava sobre as Minas e Energia, a atual presidente teve de engolir a criação de centenas de milhares de quilômetros quadrados de unidades de conservação (UCs) e terras indígenas na Amazônia. Na Casa Civil, com os verdes escorraçados da Esplanada, passou a barrar todos os tons de verde e mais um pouco.

Lula criou 267 mil km² de UCs em seus dois mandatos. Fernando Henrique Cardoso havia decretado 215 mil km². Dilma, até a última terça-feira (14), tinha produzido 440 km².

Movida talvez pela adesão de Marina a Aécio, a presidente enfim reagiu. Mas sua montanha de preconceito antiambiental pariu um camundongo conservacionista: 9.259 km² de novas áreas protegidas. A duas semanas da eleição -após quase quatro anos de governo.

Boa parte delas, fora da Amazônia, ou no seu litoral. Bem longe dos pecuaristas, sojeiros e grileiros.

Essa recaída verde da candidata vermelha beiraria o ridículo, mas é só canhestra. Deixa transparente sua concepção de desenvolvimento sustentável: uma mesura imperceptível a fazer para esse bando de ex-hippies e paleocomunistas que se dedicam a abraçar árvores e babar diante de índios, só para revigorar seu anticapitalismo visceral.

Desse ponto de vista, assumir um compromisso de desmatamento zero em 2030, como propôs a Declaração de Florestas de Nova York, seria crime de lesa-desenvolvimento.

Adiar a divulgação de dados sobre desmatamento para depois do segundo turno, então, deve equivaler a puro patriotismo. Serve, afinal, para eleger a candidata que vai salvar o Brasil da miséria.


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