Folha de S. Paulo


8 ou 350

As organizações ambientais precisam burilar seu discurso, ainda mais agora que sua figura favorita, Marina Silva, entrou com chance no jogo da eleição presidencial. Deslizes não serão tolerados pelos adversários com a mesma benevolência com que renderam homenagens a Eduardo Campos.

Entre o 8 e o 80, ainda lhes falta definir a frequência correta do diapasão para não desafinar o coro dos descontentes.

O primeiro a pisar na bola foi o Greenpeace. Seu filmete satírico "Camarim dos Candidatos" já abusava do recurso fácil ao humor chulo com todos eles (embora se tenha interpretado que seus videomakers moderninhos pegaram menos pesado com Dilma Roucheffa). E aí deram um azar incrível.

Os engraçadinhos devem ter considerado um grande achado brincar sobre o "casamento sem sexo" entre Marina da Selva e Eduardo dos Campos. Aí caiu o avião do candidato do PSB. Ficaram sem alternativa a tirar o filme do ar e enfiar o atrevimento entre as pernas.

Repito que foi azar. Mas o esquete já era bem fraquinho antes mesmo da tragédia.

A necessidade de pregar para os não convertidos e ir além de sua audiência cativa pode levar qualquer um a cair em esparrelas. Por exemplo, imitar o baixo nível, o pedestrianismo argumentativo e a truculência verbal que caracterizam tantos colunistas e humoristas de sucesso.

Também foi pela internet que se lançou por aqui outra ONG de base internacional, a 350.org. O nome faz referência ao objetivo de manter a concentração de CO2 em 350 ppm.

Esse valor seria o mais adequado, segundo a ONG sediada em Nova York, para evitar mudanças climáticas mais ameaçadoras. Mas as emissões de CO2 só fazem crescer e hoje a concentração está na casa dos 400 ppm.

A 350.org vai lançar nesta semana sua primeira campanha para o público nacional: "Eu Não Voto em Ruralista".

É uma campanha intrigante. A maioria dos cerca de 600 mil membros declarados pela ONG são jovens. Segundo May Boeve, sua diretora executiva, que esteve no Rio e em São Paulo na semana passada, também é esse o público-alvo aqui.

A animação da 350.org é juvenil. Narra a historinha didática de Paulo e de como seus hábitos alimentares só dão dinheiro ao agronegócio e agravam o aquecimento global. A agricultura de larga escala, para exportação, é uma máquina-monstro com dentes afiados e tentáculos.

Suponho que a maioria dos jovens, que é urbana (como mais de 80% da população brasileira), não vote mesmo em ruralista. E que dificilmente a campanha chegará aos poucos jovens da zona rural.

Posso estar enganado, mas acho que a campanha vai mais é atrair a ira de políticos ruralistas, desses que são admirados por comunistas, nacionalistas e militares que não se cansam de denunciar estrangeiros comedores de criancinhas.

Além disso, o alvo escolhido pode estar desfocado. É fato que os usos da terra ainda são a principal fonte brasileira de emissões de gases-estufa. E, sim, a bancada ruralista no Congresso peleja por mudanças na legislação que podem ameaçar o que o Brasil já conquistou em matéria de redução nas taxas de desmatamento.

As emissões que crescem no país são as dos setores urbanos, como transportes e energia. Faria mais sentido focalizar aí o esforço.


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