Folha de S. Paulo


Sobre a questão alienígena 1: Onde estão os ETs?

Folhapress
Imagem de disco voador
Imagem de disco voador

Como semana passada escrevi sobre a Terra e a vida nela, chegou a hora de discutir a questão da vida fora da Terra, ou a questão alienígena. De saída, é essencial estabelecer dois fatos: primeiro, que não temos nenhuma evidência concreta de que seres extraterrestres inteligentes vieram até aqui nos visitar. Segundo, que não temos nenhuma evidência de que exista vida fora da Terra, inteligente ou não. Vamos por partes, tratando hoje da primeira questão.

Se os ETs vieram, não deixaram sequer uma pista viável. Os inúmeros relatos de OVNIs (Objetos voadores não identificados), alguns vindos até de militares e de pilotos comerciais, são apenas isso: relatos. Não podemos, numa questão desta importância, relaxar os critérios de verificação científica. Fotos não são críveis.

Também não são críveis teorias relacionando antigas civilizações e suas artes a visitas de extraterrestres. Os deuses não eram astronautas. Vários estudos antropológicos, como os de Anthony Aveni nos EUA e tantos outros, mostram que civilizações antigas eram perfeitamente capazes de erigir grandes templos e pirâmides, mesmo que fosse preciso transportar enormes pedras por longas distâncias. Essas grandes obras são testemunho de nossa criatividade, e não de um contato com outras inteligências.

Fora a falta de provas, existe, também, a questão tecnológica que envolve viagens interestelares. Como exemplo, para irmos daqui até a estrela mais próxima, a Alfa Centauri, a 4,5 anos-luz de distância, precisaríamos, usando nossos foguetes mais rápidos, de aproximadamente 100 mil anos. Mesmo se viajássemos a um décimo da velocidade da luz, seria 45 anos só na viagem de ida. Viagens interestelares são uma gigantesca barreira na exploração de outros mundos.

Pensar em cenários alternativos, com tecnologias que nem podemos imaginar no momento, é sempre possível, claro. Mas aí entramos na ficção científica, onde quase tudo vale, contanto que siga as leis da física. Não há dúvida que temos muita física para aprender, e que —quem sabe?— seremos capazes de viajar perto da velocidade da luz um dia. Mas se os ETs são capazes disso, estariam tão à nossa frente tecnologicamente que seria estranho que não houvessem tentado uma forma de contato mais eficiente do que breves aparições nos céus terrestres. Qual seria o propósito disso?

Em 1950, o grande físico Enrico Fermi já havia se questionado sobre isso. "Onde estão eles?", perguntou aos seus colegas. Um cálculo simples mostra que a galáxia é velha o bastante para que, se uma civilização inteligente existisse um pouco antes da nossa, digamos, alguns milhões de anos, teria já colonizado a galáxia inteira.

Esse é o paradoxo de Fermi, e existem muitas "soluções" para ele. Uso aspas porque, claro, não sabemos qual seria a certa e menos ainda se estes ETs existem. A importância do paradoxo é servir de espelho para a nossa própria civilização, ajudando-nos a esboçar nossos possíveis destinos coletivos.

Não temos espaço aqui para todas as soluções do paradoxo, mas podemos explorar algumas delas. Uma é que inteligência raramente chega ao nosso nível, com criaturas capazes de escrever poesias, compor sinfonias e construir radiotelescópios. Se existem outras inteligências, ficam limitadas ao nível dos Neandertais, por exemplo. Outra é que inteligências existem em mundos cobertos por oceanos, o que dificulta a construção de tecnologias metálicas e de viagens espaciais.

Outra possibilidade, que explora nossa completa ignorância do que seria a psicologia de seres extraterrestres, especula que nem todas as formas de inteligência têm essa nossa ânsia de ampliar fronteiras e explorar novos mundos: os ETs, mesmo que muito avançados, estão felizes em seus mundos e nos mundos do seu sistema estelar (planetas girando em torno da sua estrela). Ou, talvez, sabem de nossa propensão bélica e não têm a menor vontade ou interesse de nos contatar.

Uma possibilidade interessante é que nós e a vida na Terra somos um experimento genético de larga escala realizado por uma civilização extraterrestre. Do mesmo modo que estamos começando a dominar os segredos da engenharia genética, poderíamos ter sido criados por outras inteligências, que nos observam, invisíveis, como se fôssemos animais num zoológico espacial de dimensão planetária. Esta me parece uma versão moderna de um Deus criador, impossível de ser verificada.

A mais importante, me parece, é a possibilidade de que civilizações que descobrem a energia nuclear se destroem em alguns séculos, tornando inviáveis seus sonhos de colonização galáctica. Dado o que vemos nos últimos 50 anos de história, isso me parece triste, mas possível. Basta um ou dois líderes instáveis para desencadear eventos que levariam a uma terceira guerra mundial termonuclear.

É aqui que podemos aprender algumas lições com o paradoxo de Fermi. Se pretendemos ser a espécie inteligente que sobrevive a si própria e que, no futuro, explorará a galáxia, teremos que aprender a conviver com nosso poder de autodestruição, convivendo no planeta com justiça social e uma nova moral que inclui o respeito a todas as formas de vida com as quais dividimos este espaço. Caso contrário, seremos mais uma dessas civilizações falidas, cuja ganância arruinou o glorioso destino que poderiam ter.


Endereço da página: