Folha de S. Paulo


Para onde vamos? O incrível legado da missão Cassini

Nasa
Titã, lua de Saturno, passando em frente a Saturno
Titã, lua de Saturno, passando em frente a Saturno

Se é verdade que uma imagem vale mais que mil palavras, a missão Cassini, da agência espacial americana Nasa, nos deixou uma enorme biblioteca.

Lançada em 1997, a missão terminou de forma dramática na semana passada, quando a espaçonave mergulhou na atmosfera superior de Saturno.

Durante os 13 anos em que explorou as redondezas de Saturno, a missão revelou uma surpreendente riqueza no planeta, seus anéis e 62 luas (das que conhecemos até agora). O jornal "The New York Times" criou uma exposição excepcional de 100 fotos (e alguns vídeos) que resume as muitas descobertas de Cassini.

Quando nos deparamos com o majestoso planeta e seu sistema de anéis, percebemos de imediato a imensa criatividade da natureza; somos tão diferentes e, ao mesmo tempo, temos tanto em comum. Saturno, com sua corte de luas, é em si um mini Sistema Solar. De certa forma, vemos uma repetição dos mesmos padrões em escalas diferentes: planetas com luas, que giram em torno de uma estrela que, com outras, gira em torno do centro da galáxia, que, com outras, forma imensos aglomerados. Tudo isso graças à força da gravidade, a grande escultora da estrutura cósmica.

Como toda boa missão científica, a Cassini respondeu a muitas perguntas e criou várias outras. Em particular, duas de suas luas, Titã e Encelado, pularam para o topo da lista de mundos capazes de abrigar vida extraterrestre. Europa, a lua de Júpiter que tem um oceano abaixo de uma espessa camada de gelo, é outra candidata forte.

Segunda maior lua do Sistema Solar (pouco maior do que Mercúrio), Titã é um mundo estranho, coberta por uma espessa atmosfera de nitrogênio. Aliás, é a única lua que tem uma atmosfera. (Em tamanho, só perde para Ganimede, uma lua de Júpiter que é 2% maior.)

Usando uma câmera de infravermelho, a Cassini pôde observar através da atmosfera de Titã, descobrindo lagos enormes de metano líquido misturado com outros compostos ricos em carbono. Aprofundando a investigação, em estilo Guerra nas Estrelas, a missão lançou a espaçonave Huygens até a superfície de Titã.

Para surpresa dos cientistas, a Huygens revelou uma topografia com montanhas e cânions criados por rios de metano, e uma superfície pontuada por pedras, um pouco semelhante ao que vemos em Marte, mas de composição química muito diversa. Não existem dois mundos iguais no Universo, mas certos padrões se repetem quando líquidos podem fluir na superfície, como aqui ou Marte no passado. Mesmo que extremamente frio, com temperaturas em torno de 180 graus negativos, Titã é um modelo perfeito de um mundo alienígena, com uma relação dinâmica entre sua atmosfera e superfície.

Encelado foi uma surpresa ainda maior. Como Europa, também tem um oceano de água embaixo da camada de gelo que cobre sua superfície, aquecido pela atração gravitacional de Saturno. (Como o que ocorre com uma bola de massinha que, ao ser apertada e esticada, se aquece.) Próximo ao polo sul de Encelado, a Cassini descobriu gêiseres enormes, jorrando vapor d'água a altitudes imensas, aliviando a pressão interna da lua. A seleção de fotos do "New York Times" inclui um vídeo de um desses gêiseres em erupção.

Vale a pena parar para refletir sobre isso: uma máquina criada por seres humanos aqui na Terra criou um vídeo de um gêiser em erupção num mundo exótico situado a mais de um bilhão de quilômetros daqui. E podemos assistir o vídeo em casa, nos nossos laptops e celulares. Quem disse que a ciência não é mágica?

Os cientistas da missão Cassini orientaram a espaçonave para passar por entre as plumas do gêiseres para coletar amostras dos compostos. Análises químicas reconheceram a presença de vapor d'água, metano, gás carbônico, nitrogênio molecular, propano, acetileno, e traços de amônia, elementos essenciais para a vida na Terra. A vantagem, aqui, é que não é necessário fazer buracos com brocas na superfície para coletar amostras do oceano submerso; basta buscar por vida nas plumas dos gêiseres.

Estamos embarcando numa nova fase da exploração espacial, além das visitas e mapeamentos, onde começamos a buscar por vida diretamente. Encontramos já os melhores candidatos do sistema solar. A missão da NASA Europa Clipper, planejada para 2020, visitará Europa e coletará amostras na superfície e abaixo dela, incluindo de gêiseres que existem lá também.

Seja lá o que venha a ser encontrado (ou não), temos muito o que aprender explorando oceanos em mundos alienígenas. Encontrando vida ou não, uma lição permanecerá a mesma: cada novo mundo que descobrimos torna o nosso ainda mais precioso. Pois mesmo que cada mundo tenha seus segredos e riquezas, o que temos aqui é único, um oásis para a vida, atravessando a imensidão de um cosmo hostil.

Editoria de Arte/Folhapress

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