Folha de S. Paulo


Em busca de outros mundos: da especulação à realidade

Nasa
This artistic animation depicts one possible appearance of the planet Kepler-452b, the first near-Earth-size world to be found in the habitable zone of star that is similar to our sun.
Concepção artística do Kepler-452b, 1º planeta a ser achado na zona habitável de estrela similar ao Sol

Catástrofes políticas e disputas sociais à parte, vivemos numa época privilegiada, mesmo que poucos se deem conta disso. Foi nessa geração que pudemos visitar todos os mundos do nosso sistema solar, de Marte a Plutão, incluindo muitas das luas que circundam os planetas gigantes.

Bom lembrar que, se temos apenas nossa preciosa e inspiradora Lua, Júpiter e Saturno têm mais de 60 objetos gravitando à sua volta. Esses mundos, cada qual com suas propriedades, são um experimento astronômico na qual a gravidade vira alquimista e, atuando com a temperatura e a pressão, transforma aglomerados de matéria em planetas com oceanos, vulcões, cânions, desertos, furacões, tempestades de areia, e, ao menos no nosso, uma profusão de seres vivos.

Claro, curiosos que somos, não ficamos satisfeitos em saber o que ocorre só na nossa vizinhança. Queremos estender nosso conhecimento além do sistema solar, mesmo que, no momento, seja impossível viajarmos até a estrela mais próxima, a Alfa Centauri, que, na verdade, é um aglomerado de três estrelas a 4,37 anos-luz de distância –ou seja, a luz demora quatro anos e quatro meses para viajar de lá até aqui.

Felizmente, graças aos telescópios, não precisamos ir a esses mundos distantes: podemos simplesmente vê-los de longe, tanto diretamente quanto indiretamente, através de seus efeitos em objetos que podemos ver. E temos telescópios que não ficam em terra firme, mas que são montados em satélites que orbitam acima da atmosfera, permitindo-nos obter imagens mais claras do aquelas vistas de cima de uma montanha (apesar de menores –é difícil lançar um telescópio de 20 toneladas ao espaço!).

Deles, o telescópio espacial Kepler foi o mais sensacional até agora. Lançado em 2009 pela NASA com a missão de encontrar planetas do tamanho da Terra em nossa galáxia, Kepler, até janeiro de 2015, confirmou a descoberta de 1.013 exoplanetas, com outros 3.199 ainda não confirmados. Exoplaneta é um planeta que gira em torno de uma estrela além do nosso Sol.

Usando essas descobertas, astrônomos calculam que, apenas na Via Láctea, existem em torno de 40 bilhões de planetas com dimensões semelhantes às da Terra girando em zonas habitáveis de estrelas comuns e do tipo anã vermelha (estrela menor e mais fria do que o Sol). Vale repetir: 40 bilhões de outros mundos semelhantes ao nosso, ao menos em tamanho e composição rochosa.

Baseados nesses resultados e nos de outras missões dedicadas à busca por exoplanetas podemos afirmar que a maioria absoluta das estrelas têm planetas girando à sua volta. Pense nisso na próxima vez que olhar para o céu estrelado: cada ponto de luz na abóbada celeste, cada estrela, tem sua corte de planetas, muitos deles certamente rodeados por luas, como os do nosso Sistema Solar.

No século 4 a.C., o filósofo grego Epicuro já especulava: "Existe uma infinidade de mundos, alguns como o nosso, outros distintos". Dois mil anos mais tarde, inspirado pela visão de Epicuro, o monge italiano Giordano Bruno escreveu que esses mundos seriam como a Terra, habitados e repletos de pecado.

Isso, no final do século 16, ia contra todos os ensinamentos da Igreja, que insistia na centralidade da Terra, única no cosmo. Se outros mundos existem, a importância da Terra estava ameaçada.

A questão essencial na busca por outros mundos continua sendo esta: somos a regra ou a exceção? Existem outras Terras espalhadas pelo cosmo? Ou nosso planeta é único em suas propriedades, tendo, portanto, uma importância impar?

Mesmo após a descoberta de tantos outros mundos, ainda é cedo para ter uma resposta definitiva para essa questão. Sabemos que outros mundos existem, e que muitos têm tamanhos e composição semelhante à da Terra, circulando suas estrelas à distâncias onde a água, se existir, poderá ser líquida, algo que usamos como condição imprescindível para a vida ter se originado e sobrevivido por bilhões de anos.

Água líquida, porém, e mesmo composição química semelhante (existência de carbono, oxigênio, nitrogênio etc.), são condições necessárias, mas não suficientes, para a existência de vida, pelo menos de vida biologicamente semelhante à que temos aqui).

E, certamente, quando falamos de vida extraterrestre, temos que diferenciar entre seres simples, como bactérias, e seres complexos, como mamíferos ou peixes. Seres pensantes, capazes de desenvolver tecnologias, como nós, seriam ainda mais raros –isso se existirem.

Mesmo que estejamos ainda engatinhando em nossa busca por outros planetas com vida, podemos celebrar o que aprendemos até agora.

1) Existem trilhões de mundos diversos na nossa galáxia, e outros tantos nos bilhões de galáxias espalhadas pela vastidão do espaço que alguns desses mundos têm propriedades semelhantes à da Terra, mas jamais idênticas;

2) A vida, se existir, será diversa em cada mundo, adaptada às suas condições únicas;

3) Por essa razão, somos, sim, únicos no cosmo, produtos de um planeta sem igual.

Ironicamente, na incrível diversidade de mundos no cosmo, reencontramos a centralidade do nosso planeta e de nossa espécie.


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