Folha de S. Paulo


Repensando o tempo

Como hoje é Dia de Finados, nada mais apropriado do que falar sobre o tempo. Para começar, será que o tempo existe? "Claro que sim, diria o leitor; eu estou envelhecendo a cada dia, as coisas mudam". Sem dúvida. Mas quando pergunto se o tempo existe, o que quero dizer é se ele existe como algo real na Natureza, como uma pedra ou um besouro, ou se é uma invenção humana, algo que criamos para nos orientar durante a vida. Pois é claro que precisamos do tempo para nos organizar tanto na prática quando de forma mais existencial. E sabemos que o tempo sempre avança, que não é possível viajar para o passado. Quando começamos a pensar sobre o tempo vemos que é um grande mistério.

Temos controle sobre o espaço, mas não sobre o tempo. Podemos escolher para onde ir no espaço, direita ou esquerda, São Paulo ou Guarujá, Lua ou Saturno. Temos controle sobre ele. Mas com o tempo a coisa é diferente: não podemos nos movimentar livremente nele. Se, de certa forma, somos senhores do espaço, somos escravos do tempo. Sabemos que nossas vidas têm um início e um fim, e que, devido à ciência moderna, não só seres vivos, mas planetas, estrelas, galáxias, o próprio universo, também têm suas histórias, cada uma marcada por um momento inicial em que passaram a existir (no espaço).

Na teoria da relatividade de Einstein, o espaço e o tempo são de certa forma unificados, o tempo ficando meio que com cara de espaço. Falamos num espaço quadridimensional, com o tempo sendo a "quarta" dimensão. Isso funciona matematicamente, mas mesmo na teoria da relatividade o tempo não é exatamente como o espaço. O que ambos ganham é uma plasticidade que não vemos no nosso dia a dia. Essa plasticidade significa que a passagem do tempo não é rígida como um rio que flui sempre do mesmo jeito. A grande sacada de Einstein foi entender que a passagem do tempo depende do estado de movimento entre dois (ou mais) objetos. Por exemplo, você parado na esquina e um carro passando na rua. Para você, o relógio do carro marca a passagem do tempo mais lentamente do que o seu relógio. No extremo em que o carro viaja próximo da velocidade da luz, o tempo passaria muito devagar, quase parando.

Não percebemos esse tipo de efeito porque a velocidade da luz é gigantesca; nas velocidades dos carros, aviões ou foguetes, as correções são minúsculas. A teoria de Einstein também diz que a matéria pode afetar a geometria do espaço e a passagem do tempo. Perto de um objeto com massa –ou gravidade– bem grande (como o Sol), o tempo passa mais devagar: um relógio na superfície do Sol bate mais devagar do que na Terra. Essa plasticidade parece esconder algum segredo sobre o tempo (e sobre o espaço) que ainda não conseguimos decifrar.

Se o tempo e o espaço são tão fundamentais, será que deveriam ser tão maleáveis? Essas perguntas beiram a metafísica, e talvez não sejam respondíveis cientificamente. Alguns físicos, como o inglês Julian Barbour, tentam construir uma noção de realidade sem usar o tempo, acreditando que a passagem do tempo seja uma ilusão, que existe apenas uma sucessão de "agoras". Outros apostam no oposto, fazendo do tempo uma grandeza fundamental. Segundo eles, até as leis da física podem mudar no tempo. Algo que deixamos para um outro domingo.


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