Folha de S. Paulo


O que é a realidade, mesmo?

Essa foi, talvez, a questão que mais assombrou Einstein durante sua vida.

Ele morreu acreditando, muito razoavelmente, que existe uma realidade "lá fora", que independe de quem olha e de como se olha, que pode ser compreendida através do estudo metódico de suas propriedades. É claro que Einstein acreditava que a ciência fornecia esse método.

Por outro lado, sabia também que todo conhecimento é necessariamente limitado e imperfeito, que o que obtemos são aproximações do que vemos no mundo.

A questão, portanto, é: Que mundo é esse que vemos? Werner Heisenberg, que com certeza muitos leitores reconhecem como o inventor do Princípio de Incerteza, escreveu: "O que observamos não é a Natureza, mas a Natureza segundo nossos métodos de questionamento".

Ou seja, somos incapazes de enxergar a "verdadeira" natureza da Natureza; o que vemos é uma destilação do real, uma filtragem de algo que jamais seremos capazes de compreender em si.

Durante as quatro primeiras décadas do século XX, Einstein tentou, junto com alguns outros, encontrar falhas na nova descrição do mundo do muito pequeno, a física quântica.

O problema dele não era com o sucesso da teoria, que é indiscutível (origem de todas as tecnologias digitais que usamos hoje), mas com sua interpretação.

Num artigo famoso, escrito em 1935 com Boris Podolsky e Nathan Rosen, Einstein argumentou que a teoria quântica não pode ser completa: deve haver uma formulação mais profunda, capaz de explicar as suas várias bizarrices.

Dentre elas, eis uma que deixava Einstein (e, francamente, todo mundo) perplexo: imagine um par de partículas, por exemplo, fótons, as partículas da luz, criados por uma fonte.

Os detalhes não importam. Imagine que os fótons possam ter duas propriedades, "branca" e "preta".

A fonte sempre cria pares com a mesma propriedade. Digamos que dois cientistas, Alice e Beto, se distanciem de 100 metros da fonte, com detectores que medem essa propriedade.

Se Alice mede "branca", Beto também medirá "branca". Agora, imagine que Alice se aproxima da fonte. Quando medir a propriedade do seu fóton, imediatamente saberá a propriedade do fóton de Beto antes do fóton chegar até ele. (Fótons viajam na velocidade da luz, 300 mil km/segundo.)

O incrível é que não importa se eles estão a 100 metros de distância, ou se Alice está em outra galáxia: a propriedade do par permanece a mesma.

Se Alice pudesse inverter a propriedade de seu fóton, de "branca" para "preta", o fóton de Beto também inverteria. Instantaneamente. Era esse efeito que deixava Einstein perplexo. Como que algo pode ocorrer instantaneamente na Natureza?

Afinal, havia mostrado que nada pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz. Os fótons não trocavam informação. De alguma forma, o par atuava como uma entidade única, impérvia à sua separação espacial.

Einstein chamava isso de "ação fantasmagórica à distância". Físicos chamam esse efeito de "não-local".

Experimentos confirmaram que, contra Einstein, essa não-localidade é parte da física quântica.

Até que ponto esses efeitos persistem quando vamos do mundo quântico ao mundo clássico? Será que podemos ter efeitos não-locais na nossa realidade? Ou eles são confinados ao mundo atômico?

Seja qual for a resposta, fica claro que a realidade é bem mais estranha do que a ficção.


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