Folha de S. Paulo


Do que ter medo?

Enquanto no Brasil as pessoas vão se preparando para o Carnaval e esquecendo dos medos até março, nos EUA, em pleno inverno gélido, sairá no dia 14 um livro sobre os medos dos cientistas e filósofos.

O livro "Com o que devemos nos preocupar?" foi editado pelo agente literário John Brockman, que todos os anos põe uma pergunta aos membros do grupo de discussão Edge. (Veja em www.edge.org) As respostas são então publicadas em um livro. Eu costumo participar, mas desta vez não deu, já que estava escrevendo o meu próprio livro. Eis uma brevíssima seleção das 150 respostas que aparecem no livro.

O linguista Steven Pinker, da Universidade de Harvard, identifica a maior ameaça de guerras futuras na mente de líderes instáveis ou de grupos que julgam ter valores acima de outros. Cita o slogan da Unesco: "Como guerras começam nas mentes dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas". Para ele, guerras resultam mais de patologias e impulsos tribais do que da escassez de recursos ou de expansionismo econômico.

Vernor Vinge, matemático e escritor de ficção-científica, teme que a automação do controle de armas nucleares torne-as vulneráveis à ataques de grupos terroristas. Martin Rees, astrônomo real do Reino Unido concorda, pintando ainda um cenário cataclísmico baseado no desequilíbrio econômico e social causado pelo aquecimento global, que pode forçar a migração de milhões de pessoas das regiões costeiras e a desintegração do sistema financeiro. Adiciona, também, o bioterrorismo, ciberterrorismo e nanoterrorismo como outras ameaças. O filósofo Daniel Dennett e o historiador da ciência George Dyson concordam especialmente com o ciberterrorismo, salientando que o mundo viria abaixo se alguém conseguisse sabotar a internet. Várias contribuições giram em torno desses temas.

Um outro grupo de temores aparece organizado em torno da questão do consciente e da sua relação com as máquinas. Timo Hannay, co-criador das conferências Sci Foo, teme que nossa ignorância do que seja o consciente e de como se manifesta em outras espécies leve a uma incompreensão crescente das nossas emoções e relação com outros seres vivos. Max Tegmark, físico do MIT, teme que a inteligência artificial venha a suplantar nossa humanidade (algo que já tratamos aqui), tornando-nos supérfluos. Já outros desmentem que a chegada desse momento de dominação de mentes artificiais, a singularidade, seja viável ou esteja se aproximando. Por outro lado, algo que está crescendo é a eficiência de videogames com realidade virtual. Será que em duas gerações jovens não saberão mais distinguir entre realidade e realidade virtual?

Dado que meu espaço está acabando, menciono um outro medo que devemos ter, o da incompreensão crescente entre dois grupos sociais, os engenheiros e druidas, como sugeriu Paul Saffo, da Universidade de Stanford. Os engenheiros acham que a ciência terá todas as respostas para os problemas do mundo: fome, doença, escassez de água e energia; os druidas acreditam no oposto, que o excesso de ciência levará à crises ainda maiores e que soluções não serão encontradas. A solução ideal, sugere Saffo, é encontrar um equilíbrio entre os dois, sem fanatismos tribais. Afinal, tudo começa em nossas mentes.


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