Folha de S. Paulo


Se o homem é o 'lobo do homem', a melhor atitude é aprender a amansá-lo

Luli Penna/Folhapress
Ilustração Marcelo Coelho de 27.dez.2017

Nem Dan Brown, nem John Grisham, nem Paulo Coelho. O livro mais vendido do ano na Amazon brasileira -somando impresso e digital- foi publicado em 1936, e já passou da 50ª edição.

Trata-se de um clássico da autoajuda: "Como fazer amigos e influenciar pessoas", de Dale Carnegie (1888-1955).

Como tantas obras do gênero, tende a provocar o desprezo de quem não leu. Ainda mais com um título desses, em que o anúncio de uma atitude cruamente interesseira vence as usuais promessas de autoaperfeiçoamento e elevação espiritual.

Nunca li o livro todo. Lembro-me de tê-lo aberto com alguma desconfiança, quando ainda era pré-adolescente. Algumas páginas me bastaram.

Passei logo à prática. Timidamente, sem dúvida, dados os embaraços da idade. Quanto mais o tempo passa, mais me convenço de que "Como Fazer Amigos..." é útil, bom e -sobretudo- verdadeiro.

Dei um exemplar a meus filhos, de 15 e 13 anos. Minha iniciativa foi amplamente criticada. Como?! Introduzi-los a essa verdadeira escola de hipocrisia e bajulação... Você acha que uma verdadeira amizade se constrói com sorrisinhos falsos?

Não entrei em polêmica -Dale Carnegie ensina, aliás, que nunca se ganha nada entrando em uma, ainda mais no ambiente familiar.

Depois, tenho opiniões minoritárias a esse respeito. Acho que a hipocrisia nem sempre é um mal. Claro, não quero que me enganem com sorrisos enquanto planejam minha desgraça. Aí é canalhice.

Mas as pessoas que se orgulham de ser "francas" e "verdadeiras" muitas vezes estão apenas dando vazão à sua agressividade.

Se me apresento como ator numa peça de teatro, e fico no camarim recebendo os cumprimentos dos amigos, não quero o "conselho sincero" de quem diz que eu deveria desistir da carreira.

Tudo pode ser dito de inúmeras maneiras, e existem horas certas e erradas para se dizer o que se quer.

Uma das coisas mais elogiáveis do livro de Dale Carnegie é que, apesar das intenções manipulatórias do título, muito do que se escreve ali se baseia no princípio de que ninguém merece ser tratado como um idiota.

Elogios obviamente falsos não funcionam. Críticas obviamente verdadeiras não precisam ser pronunciadas. É espantoso o número das pessoas que te veem depois de um bom tempo, e dizem: "como você engordou!". Minha vontade é dar-lhes um exemplar de Carnegie -de preferência com força, no alto da cabeça.

Não se trata de hipocrisia nem de "influenciar pessoas", mas de atenção à autoestima alheia. Sempre se pode aprender mais nesse assunto -tão vital quanto a regra básica de dizer "bom dia" ou "por favor".

Numa das primeiras historinhas do livro, Dale Carnegie conta que estava numa loja de departamentos e foi pedir ajuda à mulher do balcão de informações. A funcionária tinha uma voz excepcionalmente bonita e atendeu-o com eficiência.

Ele agradeceu e foi embora, satisfeito com o profissionalismo da moça. Aí, deu meia volta, aproximou-se dela e fez o elogio merecido. Não ganhou nada com isso, é claro. Simplesmente pôs em prática um preceito que não tem por que ser chamado de hipócrita: há muitas oportunidades em que podemos, sem mentira, dizer algo de bom aos outros. Por algum motivo, deixamos de fazê-lo.

Dois segredos, disse-me um amigo que leva Dale Carnegie a sério, estão em jogo aqui. O primeiro é que nossas tentativas de agradar só funcionam quando são autênticas: estamos, assim, nos antípodas do puxa-saquismo.
O segundo é que, longe de ser um "americano bonzinho", imbuído de otimismo, o autor tem uma visão extremamente desencantada do comportamento humano.

Sabe que cada um de nós vive mergulhado num poço de autointeresse e de vaidade; que queremos falar de nós mesmos, e que pouco nos atraem as dores e os problemas dos outros.

Ao contrário de muitos praticantes atuais do pessimismo, Dale Carnegie não parte dessas constatações para justificar atos de grosseria, fazer julgamentos apocalípticos e entrar em frenesi com a miséria geral.

Se o homem é o lobo do homem, como tantas vezes se repete, a saída menos arriscada é amansá-lo -a menos que você tenha muitas metralhadoras com munição em casa.

A questão é menos de moral do que de eficiência e de resultados. Que sejam muitos os de 2018.


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