Folha de S. Paulo


Existe a patrulha dos politicamente incorretos, esbravejantes e atrasados

Luli Penna/Folhapress

Quem tem saudade dos tempos antigos provavelmente se esquece de como eram incômodas as praias de quarenta anos atrás.

Não havia filtro solar que prestasse. De pós-sol, nem se fale: a fórmula do Caladryl produzia uma película grudenta sobre as queimaduras, sem sombra de alívio que fosse.

Os navios derramavam óleo queimado sistematicamente. A areia ficava coalhada daquele cocô petrolífero, e todo prédio disponibilizava benzina e estopa na área de serviço, para que o veranista limpasse os pés.

Havia também as esteiras de palha, que, misturadas à areia, raspavam as costas já em chamas de quem se deitasse nelas. E, depois, era preciso enrolá-las, mais moles do que um espaguete, carregando junto o guarda-sol, em ângulos que variavam perigosamente enquanto se atravessava a rua.

Hoje se vende muita coisa nas praias do Rio de Janeiro. Não sei por que sumiram as pipas, mas sem dúvida é um progresso que em vez de esteiras as pessoas usem uns paninhos leves de algodão estampado, em geral com as cores do Brasil ou imagens do Cristo Redentor.

Mas veja como é difícil ser politicamente correto. Impliquei com um desses panos —que mostrava, em cores alegres e padrão repetitivo, a imagem estilizada de uma favela.

"Não, com favela eu não compro", declarei à vendedora, uma senhorinha de óculos e um metro e meio de altura.

Minha atitude era a do branco esquerdista de 1970.

Onde já se viu transformar um problema de moradia em item pitoresco para turistas? Vamos vender souvenirs de navio negreiro? Quem acha favela uma "coisa bonitinha" devia mudar-se para lá...

Apesar de toda a minha "consciência crítica", aprendi que eu estava sendo incorreto. A vendedora, sem antipatia, criticou meu modo de ver. "Tenho orgulho de morar em favela", começou. Não havia nada de feio na sua comunidade.

Ela sorria. "Muita gente ainda tem preconceito, não é?" Não adiantava explicar; ela prosseguiu, não sei bem a que propósito, dizendo que sua filha fazia pós-graduação em enfermagem na Alemanha.

Acabei comprando uma toalhinha com estampas de tucano, numa reorientação talvez inconsciente rumo à centro-direita e ao universo mental da terceira idade.

Como muita gente, fico espantado com os excessos do novo feminismo, pelo menos da forma com que aparece às vezes no Facebook. Contaram-me de um rapaz bem-intencionado que se solidarizou com posts contra o assédio sexual —e foi trucidado porque, na sua condição de homem, não poderia nem mesmo imaginar o que sentem as mulheres quando isso acontece.

Assobios, cantadas, galanteios: muito cuidado, isso pega mal. Qualquer frase pode ser entendida como machismo.

Outra que me contaram. A mãe estava com a filha adolescente num táxi. Ao saírem, a filha está indignada. "Viu como o motorista ficou olhando minhas pernas?" A mãe não entendeu. "Ué, mas ele não fez nada... Não falou coisa nenhuma..." A filha estava a ponto de chorar.

Quer saber? Não digo nada, nem acho nada. Como posso legislar sobre o que é ofensivo ou não, de uma ótica tão subjetiva assim? Vai saber que tipo de olhar, que tipo de sensação estava em jogo ali.

"Essas jovens feministas estão loucas!" Há casos e casos.

Muitas vezes, o que homens e mulheres da minha geração acham loucura, erro ou exagero talvez seja simplesmente fruto de mudança.

Uma tia, nascida por volta de 1905, ficava apoplética quando as grávidas começaram a usar biquíni. "A gestação, uma coisa tão santa!", dizia ela, procurando desesperadamente algum olhar de concordância entre os convivas da ceia de Natal.

Minha mãe desconhecia, na infância, as visitas de Papai Noel: era o Menino Jesus quem trazia presentes. Considerava o Dia das Mães uma invenção de americanos. Meu pai tinha horror a chicletes e à palavra "fedido".

Antes ainda, as pessoas usavam escarradeiras para cuspir na sala de visitas. Quando alguém começou a achar feio esse costume, talvez os mais velhos tenham reclamado: "é patrulha!", "Olha aí a ditadura do politicamente correto!", "Estão mexendo com meu direito de cuspir!"

A patrulha do politicamente correto existe. Existe também a patrulha dos incorretos, esbravejantes e atrasados. Fico com a vendedora dos panos de praia: não me condenou, não perdeu o bom humor e nem me levou a arrancar os cabelos dizendo que o mundo está perdido.


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